1,04 centímetros
Felippe Moraes
[29 de abril de 2016]
Uma polegada equivale a 2,45 centímetros. Um pé equivale a doze polegadas. Se multiplicarmos estes números chegaremos na medida de 29,4 centímetros dentro de um pé. Um acontecimento histórico precisa ser lembrado: a reunião da Commonwealth, em 1959, redefiniu legalmente outra unidade de medidas, a jarda, que equivale a três pés. Com sua medição alterada e articulada entre os países participantes para 91,44 centímetros, temos uma espécie de xeque-mate à matemática: como um pé pode equivaler agora a 30,48 centímetros se na teoria ele diz respeito àquela soma (agora discrepante) das doze polegadas? Contrapondo esses dados teríamos um resto de 1,04 centímetros sobrepostos pela política.
Os trabalhos aqui mostrados de Felippe Moraes parecem lidar com esse centímetro de respiração, ou seja, versam sobre os abismos invisíveis entre os números e sua falsa segurança. Em “Chão medido” e “Homenagem a Pitágoras”, através da fotografia em preto-e-branco, pequenas narrativas são criadas a partir de um campo. Se Albrecht Dürer se utilizou da gravura para mostrar ao espectador diferentes modos da medição do corpo humano, Felippe Moraes lança mão da reprodutibilidade técnica para refletir sobre a relação entre geometria e espaço físico. O objeto que escava hoje é o mesmo que será descartado amanhã; o corpo que é ativo e que dá nome às unidades de medida é o mesmo que será condicionado em um caixão, ou seja, um quadrilátero de madeira. A geometria nos ronda e nela seremos encerrados.
Em “Divisão”, a matéria será reduzida a índices de existência que não são capazes de substituir os nomes próprios: um corpo morto, treze cadáveres jogados em uma cova coletiva, pedaços de carne humana espalhados. O que vemos aqui são árvores fatiadas em forma de troncos, mas não nos esqueçamos, como “1/2” mostra, do caráter de espelho em todas essas imagens. Uma metade se rebate em outra e esse pequeno açougue de madeira encarna as muitas divisões, subtrações e organizações do espaço que atravessam uma biografia.
É possível dobrar uma árvore? Teríamos a mesma dúvida com esta pergunta se ela fosse feita em relação aos edifícios no fundo da imagem fotográfica de “16kg para dobrar uma árvore”? Qual o lugar da natureza em um momento em que tudo parece ser passível de alteração pelas mãos do homem? Pedaços de árvore são musealizados e expostos em estruturas de metal em “Totem 1” e “Totem 2”. O espectador frui a textura desses troncos assim como um dia fruímos as marcas dos cinzéis nos bustos e membros exumados da estatuária clássica. Há aqui uma arqueologia do jardim: estranhemos e coloquemos no patamar de artefato estes objetos que domesticamos a fim de construir estas maquetes de natureza em torno de nossas residências. Assumamos, portanto, seu pulsante primitivismo e o transformamos em curiosidade.
O mesmo Dürer que tentou medir o mundo é aquele que realiza a famosa gravura sobre a melancolia. Rodeado de objetos de medição, tendo um compasso em suas mãos, uma figura sustenta o peso de sua mente. Podemos tentar traçar os raios e diâmetros das mais diversas formas e apenas uma coisa será certa: o erro. Mesmo um tanto quanto distante do Taiti, o trabalho de Felippe Moraes me faz lembrar do título de um dos quadros mais famosos de Paul Gauguin: “De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?”. Longe de termos respostas para essas perguntas, agimos e um verbo nos guia: teimar. Teimamos em construir imagens, teimamos em escrever, teimamos em estranhar aquele um centímetro e quatro milímetros de resto que deformaria qualquer quadrado.
(texto produzido para a exposição "Matter", de Felippe Moraes, na MK Gallery, em Milton Keynes, Inglattera - 16 a 22 de agosto de 2012)