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Antonio Manuel


[18 de dezembro de 2017]



A exposição de Antonio Manuel na Galeria Cássia Bomeny, no Rio de Janeiro, pode ser vista – inevitavelmente – como uma celebração: tanto de seu aniversário de setenta anos, quanto de seus cerca de cinquenta anos de percurso como artista visual. É indiscutível o seu lugar ímpar na história da arte contemporânea no Brasil e seu caráter experimental desde meados dos anos 1960. Ao se estudar a geração de artistas ativos durante a ditadura militar no país, é essencial olharmos tanto suas pinturas em diálogo com a diagramação de jornais, quanto também sua apropriação de flans de impressão. Sua obra mais célebre, “O corpo é a obra” (1970), acontecimento efêmero em que entra nu no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, também não pode ser esquecida.

Como outros artistas de sua geração – como Carlos Vergara, Anna Maria Maiolino, Regina Vater e Antonio Dias –, após o conturbado período político no Brasil que dominou as décadas de 1960, 1970 e o início de 1980, seu trabalho percorreu outros caminhos, linguagens e experimentações. Uma vez que o embate necessário aos militares se apazigua na década de 1980, Antonio Manuel parece mais interessado nos campos da instalação e da pintura, criando imagens e possibilitando experiências físicas que apontam para questões formais já visíveis em suas obras mais jovens. Esses mesmos elementos se fazem presentes nas obras reunidas na galeria e que, em sua maioria, se apresentavam de maneira inédita para o público.



Tratam-se de dezoito pinturas produzidas, em sua maioria, nos últimos quatro anos. A única exceção diz respeito a uma peça relativa à série “Ocupações/Descobrimentos”, primeiramente realizada no MAC-Niterói, em 1998, e instalada em nova versão em 2015, no pavilhão do Brasil da Bienal de Veneza. Aí estão dois elementos que parecem essenciais à pesquisa do artista e que se fazem muito presentes nas pinturas reunidas na galeria: a vibração da cor e a relação entre figura e fundo, dentro e fora, cheio e vazio proporcionados pelo buraco feito pelo artista com marteladas na estrutura de tijolo e cimento de sua escultura.

As escalas de suas telas variam entre um tamanho grande, mas não gigante (com seus mais de dois metros de extensão) e o tamanho pequeno, mas não minúsculo (com seus cerca de cinquenta centímetros). A tinta acrílica domina suas composições e tende a ser contrastada com a colagem de tecidos e papel, frisando a importante relação entre diferentes materiais e camadas de imagens comuns à sua investigação. Encontram-se fora das imagens qualquer mensagem política ou panfletária; com títulos como “Retas e brilho”, “Campo gráfico”, “Círculo vazado” e “Vermelho e branco”, se tratam de obras que em sua maioria podem ser enxergadas como exercícios formais e como maneiras de seguir experimentando de uma maneira silenciosa, mas igualmente inquieta quanto à composição da imagem.




É interessante notar, por exemplo, uma obra como “Vermelho e branco” em que o ato de perfurar a tela – e toda a história modernista que esse ato remonta – é recodificado por Antonio Manuel e aparece como uma citação à sua própria instalação aqui comentada. Mesmo que em uma escala mediana e na parede, a relação entre suas imagens e o convite à exploração física do espectador se faz clara. As experimentações com texturas tão diferentes como o papel corrugado e a juta reforçam esse caráter físico e nos trazem de novo para seu lugar ímpar nas relações entre corpo e imagem nas artes visuais no Brasil.

Após a percorrer a exposição e inevitavelmente olhar essas imagens em perspectiva panorâmica com a longa carreira de Antonio Manuel, é curioso constatar essas permanências e mudanças em sua produção. Certamente se configuraria como um interessante projeto de pesquisa estudar a produção posterior à era militar no Brasil dos artistas de sua geração e notar como, especialmente, a pintura e a abstração se tornaram linhas de pesquisa de muitos deles. Novos diálogos e projetos poderiam ser propostos a partir daí, assim como um outro entendimento para a produção de arte posterior à década de 1980 no Brasil.


(publicado original na edição de dezembro-fevereiro da revista ArtNexus)

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