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Antonio Pichillá


[13 de dezembro de 2017]




Em viagem recente para a Guatemala, tive o prazer de ver a exposição do artista guatemalteco Antonio Pichillá na recém-aberta Galeria Extra. O espaço de tamanho modesto faz coro a outras galerias da Ciudad de Guatemala dedicados à arte contemporânea – como Proyectos Ultravioleta, The 9.99 e Sol del Río. O desejo de compartilhar com o público a produção de artistas vivos – assim como qualquer iniciativa semelhante em território latino-americano – é certamente bem-vindo.

Pichillá tem um percurso de mais de uma década e desenvolve uma pesquisa que se relaciona tanto com tradições ocidentais do que chamamos por “abstração”, quanto com tradições têxteis advindas de sua origem familiar maia. Tendo recebido recentemente o prêmio Juannio (2017) – importante reconhecimento para artistas guatemaltecos – e já tendo participado de três edições da Bienal de Arte Paiz (2002, 2010 e 2014), seu trabalho tende a ser cada vez mais apreciado devido à sua crescente institucionalização. Uma exposição individual, portanto, se configura como uma boa oportunidade de mostrar a sua pesquisa de maneira pensada, ao mesmo tempo que sempre se trata também de um bom desafio.



Visto o caráter comercial da galeria, é compreensível que o artista tenha optado por mostrar obras que eram mais objectuais do que instalativas, como alguns de seus trabalhos anteriores. Intitulada “Abuelos”, a exposição, segundo texto de Alexia Tala, extraía seu nome de sua relação de ancestralidade com os materiais explorados. Ao caminharmos pelo espaço, era clara a sua inteligência formal; as obras não ultrapassavam os limites de um corpo humano mediano e deixavam clara a experiência de Pichillá na exploração de desenhos geométricos cheios de sutilezas.

Algumas peças, como as intituladas “Abuelas”, “Aire”, “Fuego”, “Agua” e “Espantapajaro” eram integralmente feitas com fios. Algumas delas traziam seus fios de uma maneira mais leve e que apelavam para uma apreensão da cor em um estado mais puro, ao passo que outras traziam torções nas peças que davam um contraste de texturas que apelavam para os sentidos do espectador. Interessante notar como a aparente simplicidade dessas formas era acompanhada de títulos que traziam um campo semântico mais fenomenológico e relacionado a elementos da natureza. Tudo aquilo que se faz essencial à experiência humana – a família, o ar, o fogo, a água e a agricultura remetida pela menção ao espantalho – é concentrado em um espaço positivo de maneira igualmente abstrata, formal e silenciosa. É possível – parece Pichillá querer dizer – reuniões tradições tão antagônicas em uma mesma série de imagens.



Importante ressaltar que o uso de fios não é sinônimo a têxtil; ou seja, era possível aprender com a exposição que se tratam de técnicas, poéticas e resultados formais bem diferentes. Essa diferença da exploração dos materiais fazia com que as peças efetivamente feitas com têxteis por Pichillá se tornassem ainda mais interessantes devido ao seu contraste com as peças com fios. “Abuelo” e “Rojo” eram bons exemplos do ritmo e repetição constantes às tapeçarias geométricas do artista – certamente uma outra linha de pesquisa quando se compara aos maiores campos de cor e grandes formas vistos nos fios.

Havia também as peças feitas a partir do contraste entre madeira, fios e têxteis. As peças de madeira não possuíam nada de precário ou de rápida apropriação – pequenas esculturas, suas estruturas e possibilidades de explorar tanto o ato de se amarrar fios, quanto de sustentar peças têxteis, elas recordavam algo da anatomia humana e colocavam a pesquisa de Pichillá em um lugar mais inusitado e menos devedor da perspectiva habitual da pintura presa a parede. Parece que são nesses momentos, nessas estranhezas entre linguagens e em uma experimentação mais física do uso desses materiais no espaço expositivo, que o trabalho do artista se mostra mais potente. ´



Ótimo exemplo comparativo podemos fazer entre esses trabalhos e uma peça sem título em que o artista se utiliza de uma réplica do urinol de Marcel Duchamp e o preenche de fios. Espécie de ponto fora da curva no todo da exposição, se trata da apropriação daquilo que foi já apropriado – ou seja, Pichillá toma para si uma obra clássica da arte vanguardista europeia e o antropofagiza de modo tropical. Há um senso de humor peculiar aí, mas é nesse momento de citação e embate explícitos entre modus operandi – grosso modo, entre o paradigma da arte contemporânea ocidental e a tradição vernacular do trabalho artesanal – que sua pesquisa perde algo de sua inventividade e parece querer mostrar ao público que sabe de qual lugar uma exposição individual em uma galeria comercial fala.



Certamente não se trata de uma obra que comprometa o todo de sua potente exposição, mas nos leva a concluir que experimentar sem pagar pedágios – em especial para esse ready-made e o que ele representa em seu fatídico centésimo aniversário – seja a postura mais corajosa para os jovens artistas não apenas da América Latina, mas de toda área vista como não-hegemônica pelas expectativas ocidentais das artes visuais. E Antonio Pichillá deixa bem claro com essa pequena exposição que coragem não lhe falta e que seu nome será cada vez mais merecedor de atenção.


(publicado original na edição de dezembro-fevereiro da revista ArtNexus)
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