Cecilia Bengolea & Jeremy Deller - 32ª Bienal de São Paulo
[08 de dezembro de 2016]
Cecilia Bengolea é coreógrafa, dançarina e artista performática. Com o intérprete François Chaignaud criou a companhia Vlovajob Pru em 2005. Entre os diversos interesses de sua investigação, chama a atenção o diálogo estabelecido entre uma linguagem institucionalizada como “dança contemporânea” e explorações do corpo oriundas de contextos populares massificados ou de grupos sociais específicos. Para a 32ª Bienal, Bengolea desenvolve com Jeremy Deller – artista com quem colaborou em 2015 – um projeto que parte de diferentes linguagens para pensar de modo crítico e irônico a sociedade contemporânea e suas relações com a economia, as condições de trabalho, os sistemas políticos e as referências à cultura popular.
Em seus trabalhos é perceptível a inserção de movimentos do voguing (dança advinda da cultura queer das casas noturnas underground na Nova York da década de 1980) e do twerk (dança de origem afro-americana associada à cultura hip-hop de meados dos anos 1990 nos Estados Unidos) em corpos que também apresentam passos de balé, jazz e dança moderna. A investigação da artista anula as hierarquias entre os gêneros de dança e corpos ativos, ao mesmo tempo em que convida a uma justaposição de movimentos e ritmos, entendendo a cultura contemporânea de modo antropofágico, multicultural e descentralizado.
A pesquisa antropológica em interlocução com as danças e os ambientes nos quais são praticadas é um dos propulsores do processo criativo de Bengolea. Os resultados são apresentados em peças pensadas para o palco, em ações feitas no espaço público e em locais destinados à performance como linguagem da arte contemporânea. Realizado para esta edição da Bienal, Bombom's dream [O sonho de Bombom] (2016) dá continuidade à pesquisa de Bengolea e Deller a respeito do estilo de dança chamado dancehall, muito popular na Jamaica. A artista desenvolveu o espetáculo Altered Natives' Say Yes To Another Excess – TWERK [Altered Natives' dizem sim a outro excesso – TWERK] (2015) (com François Chaignaud), com base em um sincretismo de movimentos entre dancehall, street dance e sons com origens no dubstep, drum&bass, reggae e hip-hop.
Assim como o twerk, o dancehall se caracteriza por movimentos do corpo que fazem referência a atos sexuais e se baseiam no compasso acelerado das músicas de fundo. O que interessa aos artistas é, mais do que as relações de gênero entre os corpos masculino e feminino envolvidos na dança, a capacidade dos dançarinos para imprimir uma assinatura peculiar nos movimentos de seus corpos em compasso com a música. Em uma investigação registrada em vídeo, os artistas apresentam ao público da 32ª Bienal uma obra em que ficção e documentário se mesclam para dar origem a uma pesquisa acerca dos limites e dos padrões de dança esperados para a cultura do dancehall.
Central a esta obra é, justamente, o ato de expelir qualquer normatividade desse universo e refletir sobre a possiblidade de liberdade entre os corpos. É por meio desse movimento entre pertencimento e alteridade cultural que este trabalho se desenvolve e incita questões políticas em torno da cultura corporal, questões de gênero e identidade agenciadas pelo corpo em movimento.
(texto publicado no catálogo de "Incerteza viva", 32ª Bienal de São Paulo, realizada entre 07 de setembro e 11 de dezembro de 2016)