Cimento manchado de batom
Hugo Hoyauek
[10 de outubro de 2018]
A presente exposição de Hugo Houayek traz, desde o seu título, a indicação de alguns dos materiais com os quais o artista tem experimentado nos últimos anos. Tratam-se de objetos tridimensionais desenvolvidos com cimento que são aqui postos em diálogo com peças bidimensionais onde o batom é um dos materiais escolhidos. Quando observamos esses trabalhos e conhecemos sua trajetória como artista visual, é possível estabelecer vínculos com séries anteriores.
Há três elementos que chamam a atenção em seu percurso devido à constância de suas aparições; desde uma de suas primeiras séries, “Desenho de arquitetura” (2004), esses aspectos estão presentes: a apropriação de materiais industriais (e não associados à prática artística); o lugar protagonista da cor; e a relação pensada entre a escala dos trabalhos e o corpo humano. Realizados no tamanho de dois por dois metros, as peças desta série foram produzidas com esmalte sintético sobre lona plástica e, não à toa, a série foi desenvolvida e dividida nas cores azul e laranja. A aproximação com esse início da produção de Houayek é profícua, mas pede também que nosso olhar realce suas peculiaridades proporcionais aos seus quinze anos de distância.
Chama a atenção, nesse sentido, a opção feita pelo artista em utilizar o cimento; quando olhamos a sua pesquisa de forma panorâmica, notamos de maneira insistente como foram utilizados materiais também industriais, porém moles – infláveis, pedaços de lona, espuma, cobertores de alumínio e vinil eram alguns deles. Não apenas esses trabalhos convidavam ao toque do corpo do público, mas traziam também em si uma cor brilhante que endossava uma certa sedução sensorial de suas composições. A maneiro como o artista usará o cimento, porém, não é sinônimo da exploração de formas geométricas e regulares; pelo contrário, a exploração da solidez desse material é feita com a ajuda de sacolas plásticas e outras superfícies maleáveis que contribuem com a forma estranha, orgânica e assimétrica desses objetos. Os tons berrantes de tinta aplicados posteriormente contribuem com essa antimonumentalidade de suas formas.
Mesmo assim, há algo nessas peças que chama a atenção dos conhecedores de sua trajetória: o tamanho. Em muitas das séries desenvolvidas pelo artista anteriormente, a escala variava entre grandes instalações que respondiam à arquitetura e objetos com proporções maiores que o corpo humano. Aqui, pela primeira vez, o artista desenvolve objetos de transporte fácil e ocupação espacial pequena. Se alguns são mostrados diretamente no chão, outros, ainda menores, estão posicionados sobre uma mesa. Trata-se de uma espécie de gramática de formas e de experimentações de dobras e cromatismos que gera uma família de combinações que se conjuga perante o olhar do espectador.
Esse desenvolvimento de obras em sequência com a finalidade de explorar um material e/ou variações cromáticas também está presente nas pinturas sobre papel que o artista tem desenvolvido com materiais como o batom e o esmalte para unhas. É nessa articulação de elementos – ou seja, ao usar materiais criados inicialmente para o corpo humano, mas agora explorando a linguagem pictórica – que a investigação de Houayek dá um salto peculiar. Trata-se de nos fazer lembrar de seu interesse pelo corpo humano não mais pela escala, mas pelo recorte conceitual dos materiais que utiliza. As superfícies para essas rápidas e pequenas pinceladas não serão mais a boca ou as unhas, mas recortes de papel em diferentes tamanhos. Formas geométricas, composições informais e até mesmo pequenos momentos de figuração surgem sobre esses papéis e por vezes, devido ao modo como foram aplicados, nos fazem esquecer de sua matéria originária.
No andar térreo da galeria, as peças maiores de cimento ocupam o espaço central e as paredes trazem as texturas semelhantes ao giz de cera proporcionadas pelos batons. No andar de cima, as pinturas com esmalte de diferentes cores ocupam as paredes e fazem par com as esculturas menores. Esses três materiais nunca se encontram diretamente, mas permitem se manchar por meio da movimentação e olhar do público nos lembrando do lugar essencial ocupado pela cor na pesquisa do artista.
Essas novas séries de trabalhos são prova da amplitude de interesses de Hugo Houayek e da maneira como é capaz de flutuar com certa liberdade entre diferentes matérias. São desafios para a sua pesquisa e desafiam quem escreve a estabelecer relações para além do lugar de reflexão mais óbvio – a história da pintura. Que venham outros desafios para ambos os lados.
(texto curatorial da exposição “Cimento manchado de batom”, de Hugo Houayek, na Simone Cadinelli Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro, entre 10 de outubro e 10 de novembro)