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Composições


[29 de abril de 2016]



A palavra “composição” possui uma carga particular no campo das artes visuais. Alguns espectadores podem associar o termo à produção de John Cage e às pesquisas de sound art que convidam o público a uma fruição do som como elemento estético gerador de sensações e imagens mentais. Já outras pessoas acharão difícil não associar o termo a algumas das obras mais famosas de Kandinsky, dadas a partir de sua relação entre a música e a pintura e cujos resultados são considerados alguns dos primeiros exemplos da arte abstrata.

O trabalho de Darío Escobar não deriva exatamente dessas duas rápidas aproximações, mas certamente é dialógico ao desejo de compor imagens a partir da geometria, tal qual observado não só na pesquisa de Kandinsky, como também em diversos outros artistas modernistas e contemporâneos. As composições de Escobar se desenvolvem, geralmente, a partir da apropriação de objetos industriais que possibilitam atos escultóricos e instalativos. No decorrer de sua trajetória de mais de quinze anos, o artista já trabalhou em diálogo com tradições visuais tão diversas como o “barroco guatemalteco”, carcaças de carros acidentados e objetos vistos como símbolos do consumismo. Sua operação como artista se dá a partir da seleção dessas peças e reconfiguração das mesmas a partir de ações como a justaposição e repetição, fragmentação e corte de materiais sempre em reflexão sobre como instalá-los dentro do espaço expositivo.




Em “Composições”, dando prosseguimento a essa investigação, o artista apresenta trabalhos inéditos no Brasil que propõe distintas possibilidades a partir da apropriação e aproximação de elementos díspares. Nas séries “Construção geométrica” e “Construção modular”, Escobar trabalha a partir de uma tradição comumente vista na Guatemala em que os caminhoneiros pintam de modo simétrico e com forte apelo colorista as traseiras de seus veículos. O artista cria novos padrões geométricos para as estruturas de madeira advindas dos caminhões e convida o público a abri-las e criar novas configurações visuais.

O interesse em justapor objetos de materiais e usos diferentes é perceptível na série “Natureza-morta”, onde o artista explora formas de apresentar objetos advindos da indústria do esporte, como as bolas de basquete, ainda assépticos e distante do seu uso pelo corpo humano. Colocadas dentro de estruturas de madeira que acionam uma memória visual que vai do aquário à prateleira, suas circunferências desconvidam ao toque e inserem o espectador em uma relação geométrica frontal. Já em “Equilíbrio”, há uma tensão tanto do material, quanto dos elementos citados pelo artista: de um lado, as placas de metal remetem às esculturas minimalistas de Carl Andre; do outro, sustentando o seu peso, o vidro dos famosos copos americanos comercializados em São Paulo desde 1940 e já alçados a símbolos do design brasileiro. Há, portanto, uma sobreposição de Américas onde duas tradições industriais se tornam uma coisa só.

A pesquisa formal a partir da bidimensionalidade também é perceptível nas “Composições de óleo de motor”, onde, também se utilizando de um material não-convencional, Escobar explora as possibilidades do desenho. Através do uso de óleo de motor, o artista cria composições que são pequenos quebra-cabeças geométricos onde o contraste entre preto e branco se faz estrutural. O olhar do espectador passeia por essas imagens e realiza uma lenta costura entre aquilo que se apresenta materialmente sobre o papel e o espaço de imaginação para se completar os lados dessas geometrias incompletas.



Essa operação de participação do olhar e do corpo do público dá o tom da exposição. Assim como Darío Escobar compôs esses encontros entre materiais, cores e formas, fica o convite para que os espectadores também realizem as suas próprias composições de modo ativo – seja em uma série específica de obras ou no seu cruzamento de proposições dentro da arquitetura da Casa Triângulo.


(texto curatorial da exposição "Composições", de Darío Escobar, realizada na Casa Triângulo, em São Paulo, entre os 05 de abril e 07 de maio)
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