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Desaguar no Rio Sururu


Marepe
[14 de maio de 2019]



Em entrevista para o jornal Correio da Bahia, em 2003, Marcos Reis Peixoto – mais conhecido como Marepe – responde a uma série de perguntas sobre a sua pesquisa como artista visual. Quando questionado a respeito da “abordagem temática do seu trabalho”, a primeira resposta é direta:

Meu trabalho é todo ligado à questão da pobreza. Desde a I Bienal do Recôncavo, em 1991, essa abordagem já era bem visível. Naquela época, coloquei uma figura chamada Jogo precoce, que tinha muito do olhar sobre a Praça da Piedade, no centro de Salvador, a pobreza que ronda aquele local. Depois fiz uma pesquisa com novos materiais e, para afirmá-los, tive que encontrar uma lógica. Daí descobri que muitos ambulantes sobreviviam daqueles materiais que eu estava usando e que eram restos de caixas de papelão, madeira, isopor, etc.[1] 

Na sequência, os jornalistas perguntam sobre o seu pertencimento às identidades baiana e brasileira. O artista comenta que acredita que se não morasse na Bahia ou no Nordeste, certamente o trabalho seria diferente. Porém, por mais que ele possa representar identidades que trafegam – dependendo da lupa – entre o local (Santo Antônio de Jesus), o regional (Bahia/Nordeste) e o nacional (Brasil), ele acredita que consegue chegar ao universal.[2]



O primeiro reconhecimento institucional de Marepe vem com sua participação e premiação na I Bienal do Recôncavo, em São Félix, Bahia, em 1991. A obra que o artista cita acima, Jogo precoce, é figurativa, de concreto e traz a representação de um menino negro sentado sobre um escovão.[3]Forrado com cartelas de bingo, o escovão traz ainda a figura de um rato e as cores de uma colcha de retalho. A oposição entre o objeto artesanal tão associado ao Nordeste, com o rato e o escovão, uma vez somada à figura do garoto que repousa diretamente sobre as cartelas, nos leva para um campo semântico que remete aos perigos da infância, ao racismo estrutural em Salvador – cidade onde o artista vivia no período – e à população de rua. Podemos observar essa representação da infância e associá-la a esculturas clássicas que davam corpo à infância por meio da figura do Cupido, mas, com Marepe, não há espaço para o mármore e sim para o concreto; seu interesse não está voltado para a idealização romântica de seu entorno, mas para a constante negociação com tudo aquilo que o rodeia – a sociedade, os objetos e as palavras.

Após a residência de um mês que fez na Alemanha em 1992, fruto da sua premiação na bienal, o artista participou novamente da segunda e terceira edições da Bienal do Recôncavo (em 1993 e 1995). Em 1996, Marepe estreava no centro hegemônico das artes visuais no país: São Paulo. Foi um dos 62 artistas selecionados para participar do Antarctica Arte com a Folha, grande evento que inaugurou o Pavilhão Manoel da Nóbrega, no Parque do Ibirapuera. Uma equipe de cinco curadores – Lisette Lagnado, Lorenzo Mammì, Nelson Brissac Peixoto, Stella Teixeira de Barros e Tadeu Jungle –, visitou ateliês de todo o país e produziu um mapeamento extenso. Artistas de diferentes regiões foram selecionados – mesmo que a maioria do Sudeste seja explícita – e do estado da Bahia havia apenas ele e Marcondes Dourado.



Na recente tese de doutorado de Ana Maria Maia sobre o evento, há uma seção dedicada a reportagens e reproduções fotográficas.[4] Observar como Marepe construiu sua imagem e como outros agentes a construíram é um exercício importante. Em um encarte especial publicado pela Folha em 1996, todos os artistas selecionados tem um retrato e um pequeno texto publicado. Marepe está na nona folha, logo na parte superior da página. O texto diz: “Marepe, 26, realizou sua primeira exposição individual, uma instalação, na Bahia, em 1990. Sua obra enfoca questões sociais, mas sem dramas. Há em suas instalações uma carga de ironia. Tenta recuperar o aspecto estético das feiras nordestinas e da pobreza”.[5]

Esse humor pode ser conferido na imagem do artista posando ao lado do seu trabalho Banca de veneno e chaveiros eróticos, de 1996. Encarando o espectador com um sorriso, sentado ao lado da banca e com um cigarro aceso entre os dedos, esse homem nos provoca – será vendedor ou artista? Somos envenenados pelo jogo de persuasão iniciado pelo fotografado e que faz com que sua imagem descontraída seja bem diferente da maneira como a maior parte dos jovens artistas se apresentava para a câmera. A inclusão do seu trabalho como elemento iconográfico do retrato nos remete à esfera pública – as calçadas e o trabalho informal no Brasil –, elementos que não são visíveis em nenhum dos seus colegas. Marepe também era, por fim, um dos poucos artistas afro-brasileiros selecionados no evento – seria essa pose, portanto, um jogo provocado por ele como artista-camelô que nos faz refletir sobre a branquitude dos artistas selecionados? Seria essa pose uma maneira de conectar a sua imagem à história da classe trabalhadora contida na história de sua família?

Marepe não apenas foi selecionado para o Antarctica Arte com a Folha, mas foi um dos três premiados – junto a Cabelo e Rivane Neuenschwander. Alguns anos depois ele integrará o time de artistas da Galeria Luisa Strina, uma das galerias comerciais mais reconhecidas e internacionalizadas da capital paulista. Além de apresentar Banca de veneno e chaveiros eróticos, outras duas instalações suas estavam presentes: Banca de fichas de cartões telefônicos(1996) e Estante de meios (1996). No começo de sua carreira, a rua era para Marepe mais do que inspiração – era um laboratório sobre espaço, objetos e esculturas.



Não se trata do exercício do ready-made­ de trazer uma banca literal para o espaço institucional e nem mesmo de reconstitui-las idênticas às fotografias que ele produzia na rua. Essas imagens fotográficas funcionavam como bússolas para o artista criar outras bancas que possuíam algum grau de parentesco, mas que também se entregavam à certa fantasia. E se esses trabalhos fossem mostrados um dia na rua? Como os donos das bancas reagiriam? O trabalho dedicado aos cartões telefônicos é exemplar – se na fotografia a banca está presa a um guarda-sol que protegia o corpo do vendedor do sol, com Marepe a sombrinha virou um esqueleto de metal e os cartões serão pendurados ali como enfeites de natal são penduradas nos nossos pinheiros de plástico natalinos.

Seu interesse por esses ambientes é visível em outras obras do mesmo período – sua Banca de bijuterias (1996-1998) se assemelha às anteriores e traz o contraste do dourado falso de joias baratas e o vermelho de seu forro. Pouco a pouco, essas instalações aumentam de tamanho e sua fragilidade inicial cede espaço a estruturas mais robustas que por vezes autorizam a ação do público.

Lasque o nome aí (2001), mais do que um objeto com o qual o público deveria interagir, se apresenta como um grande evento. A obra consiste em uma estrutura de metal com o centro forrado com tecido. Em uma corda de nylon, uma série de impressões de silkscreen sobre tela traz palavrões dos mais diversos tipos. O público era convidado a retirar uma serigrafia, rasgá-la e dizer seu nome ao mesmo tempo. Dependendo do ânimo do público, rapidamente a proposição de Marepe poderia se transformar em uma grande performance. Já Sangue de novela(2004), também nascido da observação de uma banca, tem estrutura de metal e se utiliza do ketchup como elemento não apenas de cor, mas também olfativo – o vermelho colocado nas bacias é molho de tomate.

Esses trabalhos de Marepe parecem se mover sempre entre relações de imitação e ficção em torno dos usos sociais e das tecnologias para a engenharia de construção das bancas. Flutuantes de feira (2004), uma série de pintura sobre fotografia, parece comentar bem essa interseção. Fotografias de feiras são mostradas em grupos e, sobre sua superfície, pequenas bolhas de tinta guache são pintadas. Como uma espécie de esboço para animação ou história em quadrinhos, nosso olhar vai passeando e apenas pode imaginar o momento em que essas bolhas estourarão e o registro fotográfico revelará que era um sonho.




Partindo dessas imagens para a recepção – como curadores e críticos escreveram a respeito do trabalho de Marepe? Podemos voltar ao Antarctica Artes com Folha e ler as frases de Lisette Lagnado escritas mais abaixo da foto do artista: “Vejo muito humor no trabalho de Marepe, mas um humor crítico e ácido. Ele vê a pobreza de modo bem-humorado, mas sofre com isso. Tenta recuperar a estética das feiras nordestinas. Marepe é um Marcel Duchamp baiano”.[6] Começa assim uma associação recorrente entre a pesquisa do artista e a geografia brasileira; como Lagnado denota em seu texto quando fala em “feiras nordestinas” ou em “Duchamp baiano”.

Há um trabalho que parece se configurar como divisor de águas no percurso de Marepe e contribui com sua recepção crítica: o grande monumento à sua cidade-natal Tudo no mesmo lugar pelo menor preço (2002). Na 25ª Bienal de São Paulo, curada por Alfons Hug, o artista levou um muro de seis metros de extensão de Santo Antônio de Jesus até São Paulo. Não era um muro qualquer, mas uma grande parede que trazia em si uma pintura que fazia propaganda da Comercial São Luiz, loja que vendia materiais de construção e onde seu pai havia trabalhado. A frase que dá título ao trabalho chamava a atenção dos visitantes da Bienal – como diria o ditado popular, “Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai até Maomé”.

A opção existencial por viver em uma localidade não hegemônica das artes visuais no Brasil, somada a uma poética que se vale de objetos banais encontradas nas casas e nas ruas de Santo Antônio de Jesus, contribuíram com que parte dos poucos textos escritos[7] sobre Marepe explorassem esse pertencimento a um local em contraste com sua expansão institucional global. Jens Hoffmann, curador e um dos autores inseridos no livro publicado sobre o artista em 2007, diz que “A obra de Marepe é atraente pela natureza exótica que conversa com a fusão de culturas vivenciada pelo artista”. Após aproximar sua produção com outros artistas latino-americanos da mesma geração – Alexandre da Cunha, Rivane Neuenschwander, Damián Ortega e Gabriel Orozco –, ele comenta que “... o trabalho de Marepe se destaca, no entanto, pela conotação política subjacente. O caráter singular de suas criações promove sua resistência a qualquer forma de domesticação. Marepe realmente não fala inglês, e sua obra se mantém imaculada”.[8]

Na mesma publicação, o texto do curador Adriano Pedrosa contextualiza a produção de Marepe dentro do cenário brasileiro. Segundo ele, o país se caracteriza por uma “espécie de concentração regional na produção, na exibição e na comercialização de obras em torno dos grandes centros”[9] – o que muitas vezes leva artistas da região Norte e Nordeste a migrarem para o Sudeste. Marepe, ao não migrar, é um exemplo de exceção – não apenas da postura do artista que opta por não migrar, mas também por ter conseguido estabelecer uma carreira institucional e comercial dentro de um sistema que por vezes exclui os artistas que não habitam no Rio de Janeiro ou em São Paulo.



Anterior a essas duas publicações, uma carta escrita por Lisette Lagnado guia o primeiro livro sobre Marepe, de 2002. Em 2006, ela e Adriano Pedrosa convidariam o artista para a 27ª Bienal de São Paulo, na posição de curadora-chefe e curador-adjunto. O texto tem um tom autobiográfico que dialoga com as fabulações propostas pelo artista. Há uma afirmação logo no começo que me parece essencial para essas reflexões: “Não conheço a paisagem nem os costumes dos habitantes do Recôncavo Baiano; posso assim mesmo escrever sobre o que você faz sem cair na armadilha do exotismo?”.[10]

Tomando essa provocação da autora para Marepe, gostaria de pensar sobre essa associação direta entre a pesquisa de um artista e uma localidade. Parece-me que, em oposição ao que ela sugere, visitar Santo Antônio de Jesus talvez contribua negativamente com minha interpretação das proposições de Marepe. Ir à cidade talvez revelasse algo que seus trabalhos nunca revelam; na verdade, me parece que o artista se apropria e cita a cidade de forma fragmentada, assim como uma memória da infância. Fazer essa viagem com a finalidade de ali encontrar os reflexos exatos de sua poética – não exatamente a proposta da autora citada, mas possivelmente um gesto feito por outros pesquisadores – pode, aí sim, se configurar como um exercício de exotismo. Um turismo estimulado pela posição que esse lugar tem em um imaginário.

Santo Antônio de Jesus me parece mais presente nos discursos textuais de críticos e nas entrevistas dadas por Marepe que nas suas imagens. Quando a cidade está em todos os lugares, ela está também em lugar nenhum – não precisa estar enquanto objeto, já está pulverizada como lugar imaginado em sua poética. Parece-me, portanto, que o que o seu trabalho deseja suscitar no público é algo semelhante ao que Marcel Duchamp chamou por “coeficiente artístico”: “... o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador”.[11]




Marepe parece estar o tempo todo jogando com esses imaginários e com as expectativas criadas em torno de sua identidade nordestina e, por vezes, brasileira. Sua pesquisa de nenhuma forma é vítima dos discursos hegemônicos que inventaram o Nordeste e foram estudados por Durval Muniz Albuquerque Junior em seu livro clássico;[12] o artista inventa múltiplos lugares. Três exemplos de trabalhos de diferentes períodos são exemplares de sua inventividade e capacidade de trafegar entre signos. A mudança (2005) é uma escultura em madeira que imita a forma de um carro que faz frete – popular em qualquer região do Brasil, o imaginário desse automóvel, quando associado ao Nordeste, rapidamente poderia nos lembrar dos fluxos migratórios históricos entre o Norte e o Sul do país. Possuindo inclusive uma placa – MAP2005 –, o trabalho traz como bagagem móveis e eletrodomésticos feitos de madeira. Com diversos mecanismos para abrir e fechar sua estrutura, o carro às vezes lembra mais uma casa de madeira – o material é frágil e perecível, mas a artimanha para dele fazer o que bem se entender é duradoura.

Sinho o enfermeiro amigo de um povo sofrido(2004) explicita uma questão fulcral na produção de Marepe: a relação entre palavras e imagens. Seja nos seus títulos, seja em seus trabalhos escultóricos ou de instalações, as maneiras de articular a palavra falada e a escrita se dão de maneira constante. Não podemos nos esquecer que, por exemplo, na sua Banca de veneno e chaveiros eróticos há uma placa que diz Vendo veneno para: rato barata formiga cupim mosca preço 1 real. A cor vermelha sobre o branco dessa placa, assim como a caligrafia criada pelo artista dão o tom informal e fatalista para a mensagem venenosa. No caso de Sinho, novamente o branco e o vermelho se encontram, dessa vez somados ao preto. Esse painel, assim como outros painéis de rua encontrados não só em Santo Antônio de Jesus, mas, por exemplo, no subúrbio do Rio de Janeiro, não possuem nada de ingênuo – eles comunicam, eles se destacam como design no meio da proliferação de sons, cheiros e tons que são impressas nessas paisagens urbanas. O que esse “enfermeiro amigo” quer de seu “povo sofrido”? Segundo Marepe, se tratava de um candidato a político, mas será que você acredita no discurso do artista ou prefere acreditar no poder das imagens?




Por fim, trazendo um exemplo produzido mais recentemente, me chama a atenção a maneira como o artista compõe uma obra como SOS a mulher (2017). Duas caixas utilizadas para se guardar e vender linhas de costura são empilhadas sobre um pedal de máquina de coser. Enganchado próximo ao pedal, partes elétricas utilizadas na iluminação pública. Um braço de manequim feminino é pintado de dourado e apoiado sobre as caixas, enquanto outro está no chão, preso a esses mecanismos elétricos desligados. Como se pode perceber desde sua última individual no Brasil, Armazém de mim(2015), parece que a pesquisa de Marepe cada vez mais lida com objetos industriais. Além disso, não se trata mais de apenas encaixar peças, mas de fixá-las umas nas outras. Formalmente menos concisa, ou seja, mais embebida do espaço ao seu redor, essa peça nos convida a estabelecer diversas conexões e tentar rascunhar algum campo semântico – eletricidade, corpo feminino, costurar, SOS?

Há uma abertura interpretativa não apenas nesse trabalho e nos outros dois exemplos dados, mas na produção de Marepe como um todo. Tomar conhecimento de sua relação afetiva com Santo Antônio de Jesus e, por consequência, da maneira como ele pode ser lido em relação à região Nordeste do Brasil pode ser interessante, mas nunca enquanto delimitador interpretativo – na verdade, estudar a respeito desses aspectos nos ajuda a ampliar as leituras de suas obras e não restringi-las a um guarda-chuva identitário regional. Faz-se importante nos perguntarmos em português claro: até que ponto a leitura de sua obra seria semelhante se ele tivesse nascido no Sudeste do Brasil? Articular sua pesquisa com Santo Antônio de Jesus de maneira tão insistente não é também uma tentativa de criar um exotismo nordestino para o olhar hegemônico do Sudeste? Se encararmos os dados biográficos do artista como ponto de partida e não de chegada seremos capazes de encontrar a tal universalidade desejada pelo artista.



É preciso, como indica Lisette Lagnado no final de sua carta para o artista, nos permitir desaguar nossos rios com o rio Sururu, aquele que está nas proximidades de Santo Antônio de Jesus. Pensando junto a Alberto Caeiro,[13]talvez a obra de Marepe nos permita refletir sobre os rios que correm pelas nossas aldeias – certamente, por pertencerem a menos gente, são mais livres e maiores do que o rio Tejo.  


[1] MARINHO, Justino e ROMERO, César. “As criações universais de Marepe” in Correio da Bahia. Salvador, ??? de ??? de 2003, pág. 6.
[2] Idem.
[3] Conferir. BARBOSA, Juciara Maria Nogueira. “Marepe: arte contemporânea do Recôncavo para o mundo” in Revista Ohun. Salvador, v.1, págs. 1-24, 2004.
[4] Conferir MAIA ANTUNES, Ana Maria. Jovens artistas segundo o tempo, os agentes e marcos de um circuito: as narrativas do Antarctica Artes com a Folha para uma “geração 90” brasileira. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, ECA-USP, 2018.
[5] Autor desconhecido in Antarctica Artes com a Folha (encarte especial). Folha de São Paulo, 22 de setembro de 1996. apud ibidem, pág. 69.
[6] LAGNADO, Lisette in Antarctica Artes com a Folha (encarte especial). Folha de São Paulo, 22 de setembro de 1996. apud ibidem, p. 69.
[7] Chama a atenção o fato de que existem apenas dois livros dedicados a seu respeito e ambos foram organizados pelas galerias que o representam. O primeiro, publicado em 2002, foi organizado pela Galeria Luisa Strina, de São Paulo; o outro, de 2007, foi editado pela mesma galeria em parceria com a Galerie Max Hetzler, de Berlim. Dentro da produção acadêmica brasileira, há apenas um trabalho de pós-graduação dedicado ao artista – a dissertação Marepe: memória, devaneio e cotidiano na arte contemporânea da Bahia, de Priscila Valente Lolata, defendida em 2005 na Universidade Federal da Bahia. Quando lemos o texto, porém, percebemos que Marepe está em seu título, mas na argumentação da autora aparece apenas em seu final, nas cinquenta últimas páginas da dissertação.
[8] HOFFMANN, Jens. “A antropofagia no cotidiano” in Marepe. Berlim e São Paulo: Galerie Max Hetzler e Galeria Luisa Strina, 2007, págs. 47-51.
[9] PEDROSA, Adriano. “Memória e deslocamento na obra de Marepe”. Ibidem, p. 9.
[10] LAGNADO, Lisette. “Marepe, querido” in Marepe. São Paulo: Galeria Luisa Strina, 2005, p. 12.
[11] DUCHAMP, Marcel. “O ato criador” in BATTCOCK, Gregory (Org.). A nova arte. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004, p. 74.
[12]JUNIOR, Durval Muniz de Albuquerque. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez Editora, 2009.
[13] Refiro-me ao poema “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia”, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Parte do conjunto “O guardador de rebanhos”, de 1914 e publicado em 1925. Parece justo inclui-lo aqui na íntegra: O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia, // O Tejo tem grande navios / E navega nele ainda, / Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, / A memória das naus. // O Tejo desce de Espanha / E o Tejo entra no mar em Portugal. / Toda a gente sabe isso. / Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia / E para onde ele vai / E donde ele vem. / E por isso, porque pertence a menos gente, / É mais livre e maior o rio da minha aldeia. // Pelo Tejo vai-se para o Mundo. / Para além do Tejo há a América / E a fortuna daqueles que a encontram. / Ninguém nunca pensou no que há para além / Do rio da minha aldeia. // O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. / Quem está ao pé dele está só ao pé dele”.


(texto escrito para a publicação relativa à exposição “Marepe: estranhamente comum”, organizada pela Pinacoteca de São Paulo, em 2019)
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