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É hora da onça beber água


Froiid
[27 de outubro de 2020]




A pesquisa que Froiid desenvolve nos últimos anos aponta para uma constância: a noção de jogo. Se olharmos para os seus projetos realizados desde o começo dos anos 2010, percebemos que ele jogou com diferentes aspectos do sistema das artes visuais como o mercado de arte e os limites institucionais da ocupação de um espaço. Uma palavra-chave para a sua prática está contida no nome que ele deu a uma de suas séries: pastiche. Com seu olhar afiado, o artista propõe deboches aqui, ali e acolá.  

Esta exposição dá prosseguimento à sua investigação, mas a amplia no que diz respeito ao uso do espaço e ao convite feito ao público; “É hora da onça beber água” é, essencialmente, uma área de convivência. Trata-se de uma coincidência no mínimo peculiar ver um projeto como esse ser aberto ao público durante uma pandemia mundial – não seria um convite à aglomeração e ao compartilhamento de objetos? Se estivéssemos perante uma mesa de sinuca tradicional, a resposta poderia ser sim, mas o que Froiid propõe é uma deformação das convenções do jogo onde o público experimenta algo novo tanto espacialmente, quanto sonoramente.




Eis uma das provocações dessa exposição que ecoa episódios importantes da história da arte: o público entra na sala com a expectativa de ver o que se convencionou chamar de “belas-artes” e descobre poder não apenas ver, mas jogar sinuca – e sem pressa. Se a expressão “é hora da onça beber água” costuma ser associada à tensão e clímax, sob a ótica de Froiid a hora da amiga onça pode se estender o quanto ela quiser. Interessa mais ao artista ecoar um imaginário comumente associado à sabedoria popular no Brasil do que transformar essa sinuca numa arena de competições. Afinal, a sinuca também não é uma arte?



Em um ano como esse, com tantas máscaras, rompantes e tragédias nas nossas vidas, essa sala se transforma em um monumento à vida e ao lazer coletivo – ai que saudades de tomar minha água numa mesa de bar ou nos cantos de uma mesa de sinuca.


(texto relativo à exposição “É hora da onça beber água”, de Froiid, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, entre 19 de novembro de 2020 e 31 de janeiro de 2021)
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