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Ebony G. Patterson - 32ª Bienal de São Paulo

[09 de dezembro de 2016]


A pesquisa de Ebony G. Patterson parte da vivência cotidiana em Kingston, e da observação de expressões da cultura popular. Seja em formas bidimensionais, pintura, desenho e colagem, seja em tridimensionais, como esculturas, instalações e performances, sua obra é pautada por uma ampla utilização de cor, ornamentos e grandes escalas, em gestos que prezam pela contundência da acumulação de elementos. A artista se vale inicialmente da fotografia e daí transpõe as imagens capturadas para a tapeçaria. Sobre a superfície dessas peças são adicionados objetos que realçam determinadas áreas das composições fotográficas e que, por fim, se fundem com a arquitetura onde as obras são colocadas. A relação entre figura e fundo se dissolve em detalhes coloridos que convida a uma observação minuciosa.

Seus trabalhos refletem sobre questões de gênero e sobre o lugar do negro e da negra num processo de reconhecimento da identidade oficial da Jamaica, país que se tornou independente da Inglaterra somente em 1962. Frequentadora de festas de dancehall, estilo musical advindo do reggae que se popularizou fora da Jamaica na década de 1990, a artista começou a trazer elementos dessa iconografia para produções centradas em linguagem corporal, beleza e identidade. Patterson problematiza, por exemplo, a preocupação estética dos integrantes masculinos desses grupos de música. Ao posar para fotografias, os homens ostentam não só valores heteronormativos, mas também roupas de marca, acessórios brilhantes e uma técnica de clareamento facial utilizada até então apenas por mulheres: o bleaching [embranquecimento].

As imagens criadas denotam o uso da lixívia para realizar um autobranqueamento e produzem uma tensão entre masculinidade, vaidade e preconceito racial. Para a 32ª Bienal, Patterson apresenta cinco obras que advêm de investigações recentes sobre a infância e a juventude da população negra. No final de 2015, no Rio de Janeiro, cinco jovens foram assassinados por policiais que dispararam mais de cem tiros no carro em movimento. Eventos como este também estão fortemente presentes no contexto jamaicano. A criminalização de grupos sociais, fruto de um racismo praticado pelo Estado, recai sobre essa parcela vulnerável dos cidadãos, crianças e adolescentes.

Em “...they were discovering things and finding ways to understand...(...when they grow up...)” [”...eles estavam descobrindo coisas e encontrando meios de entender...(...quando eles crescerem...)”] (2016), a artista reúne imagens de jovens em um estado absorto e cola sobre a superfície das tapeçarias estampas e brinquedos de plástico de diferentes culturas visuais infantis. Longe de uma postura ativa comumente associada à infância, esses corpos parecem expressar uma inércia perante o entorno e o futuro que os aguarda. Uma outra peça mostra um carro de brinquedo gigante com diversos objetos coloridos que costumam ser o sonho de consumo de crianças e adolescentes.




Dessa forma, a artista apresenta uma narrativa visual da juventude negra em um estado de dúvida. Assim como alguns corpos parecem observar com olhar de lamentação os brinquedos que têm nas mãos, outros estão dedicados à leitura – mas quais histórias estariam consumindo? Patterson aponta para uma identidade em construção e para cultura material que disputa seu imaginário. Em que medida a imaginação e o brincar não poderiam desenvolver um conhecimento do mundo, de forma a reescrever narrativas hegemônicas?


(texto publicado no catálogo de "Incerteza viva", 32ª Bienal de São Paulo, realizada entre 07 de setembro e 11 de dezembro de 2016)
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