Entrevista com Carlos Vergara
[01 de dezembro de 2017]
Raphael Fonseca: Acho que seria legal também que a gente voltasse lá pro começo. Queria que você contasse a respeito da sua formação inicial como artista. Mas não formação no sentido de educação, mas na formação do olhar. Quais são as primeiras memórias que você tem ao se interessar por artes visuais?
Carlos Vergara: Como eu sou filho de um reverendo anglicano, a arte sacra sempre esteve perto de mim. Em livros e tudo. E como eu era um cara muito solitário, por causa da própria vida da minha família, diferença de idade do meu irmão, eu desenhava como luta contra o tédio. Isso vem vindo, eu sempre desenhei desde pequeno, mas sem nenhuma pretensão. Brincadeira e luta contra o tédio. Só que eu dei uma sorte, né? No final do ginásio eu fui para uma escola que era espetacular, chamava Ginásio Brasileiro de Almeida, que era da família do Tom Jobim. Além de passar o dia todo na escola, você almoçava lá, dançava um pouco de rock na hora do almoço, tinha estudos dirigidos de tarde e tinha ateliês de arte. Ateliê de cerâmica, ateliê de metal... e com isso tinha um local onde a minha habilidade, digamos assim, tinha uma saída. (...) Isso era um ensinamento. E lá na escola eu comecei a fazer joias, trabalhos em cobre, relevos em cobre. Quando sai desse ginásio, as professoras que eram muito inteligentes disseram pra mim: “Olha, nós não aconselhamos você sair e fazer cientifico clássico. Vai pra uma escola técnica, porque aí você vai conseguir se empregar logo”. Eu tinha uma bolsa na escola, porque o meu pai tinha uma vida financeira limitada. E eu fui direto para uma escola de química, o que me ajudou muito, me ajuda até hoje, e com dezoito anos eu fiz concurso da Petrobrás e passei. Eu sou da primeira turma da refinaria de Duque de Caxias, fazia análise de laboratório, análise das gasolinas, dieseis, petróleos, de tudo. E com isso eu fiquei muito próximo da indústria, com isso eu perdi medo da escala. Começa nessa época a indústria química de petróleo, onde começa a produção de acrílico no Brasil. Então, meus trabalhos de 66 e 67 já começam a usar um trabalho mais industrial do que um material de lojas de pintura. É um pouco por aí. Daí que eu conheço Iberê Camargo, um artista da maior importância no Brasil. Ele ganhou um prêmio de viagem ao exterior pelo Salão de Belas Artes, de Arte Moderna, e depois quando ele volta para o Brasil, eu o conheci. Ele pediu para ver meus desenhos, eu mostrei alguns e ele disse: “Se muda para o meu ateliê”. Eu me mudei para o ateliê dele, a minha vida era fazer voleibol, fazer assistência para o Iberê e cuidar da Petrobrás.
RF: Nas três atividades há um caráter muito físico. No Vôlei, obvio. Na pintura do Iberê que é muito física, quanto também essa relação com a indústria.
CV: Os treinamentos de combate a incêndio eram uma coisa assustadora, na Petrobrás. Era bem forte. Mas no Iberê era interessante, tinha um grande ensinamento no Iberê. Eu acho, na verdade, que ninguém ensina arte. Você motiva, na verdade você acende uma faísca que motiva a pessoa a fazer. Você ensinar arte... a não ser a parte artesanal, mas aí a parte artesanal tem pouco a ver com o que eu acho que é importante em arte, que é o pensamento. E o Iberê tinha uma exigência que era gigantesca. Era uma pessoa que não se satisfazia de primeira e tinha um desapego com o que fazia muito grande. Tem uma história que eu costumo contar, uma vez ele estava pintando, desde manhã, um quadro que vinha do dia anterior e ele pintava a óleo porque não secava rapidamente e ele podia mexer no dia seguinte, ele vinha e raspava e jogava toneladas de tinta, era uma fortuna. Eu ficava olhando aquela fortuna de tinta jogada fora e aí teve uma hora e eu falei “Pára, Iberê. Não mexe em mais nada, tá lindo isso”. “Você acha, guri?”. “Sim, estou te dizendo. Pára com isso, não vai ter fim”. “ Então está bom, vamos limpar os pincéis”. E aí fomos limpar pincel, limpar paleta. A paleta era uma mesa de fórmica, grande, onde ele misturava as tintas. E aí eu fui pra casa, de repente me telefona Maria, mulher dele. “Vergara, Vergara, vem pra cá, ele quer mexer de novo”. Então tinha uma insatisfação e essa insatisfação foi um grande ensinamento para mim. Nas minhas coisas, quando não está bom, eu raspo.
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RF: Você acha que já se sentia a importância histórica que a exposição Opinião 65 teria? Ou você acha que isso foi construído?
CV: Foi sendo construído. Em 67 a gente faz Nova Objetividade Brasileira. Como o nome diz, nós pensamos sobre o que estamos fazendo. Nós sabemos o que estamos fazendo. A gente fazia o trabalho, escrevia sobre o trabalho e levava em mãos no jornal. Cansei de entrar em redação de jornal e entregar em mãos o texto sobre a nossa própria produção. Não tinha mercado, três galerias, não existia essa coisa. Pra você ter uma ideia, pra quem que eu vendia? Eu vendia pra filósofos, para professores, pra gente diferente dos compradores de hoje, que são banqueiros, industriais, esse pessoal chega depois. Claro que tem alguns colecionadores que começaram naquela época também. Mas não existia mercado, a ideia de mercado. Pra você ter uma ideia, um pintor que era muito importante no sentido tanto político quanto amoroso, era o Carlos Scliar, do qual eu discordava do trabalho, mas tinha muita admiração pela pessoa. Ele foi pracinha, foi pra guerra. Voltou, ele era do Partido Comunista, e quando voltou ele achava que tinha que fazer alguma coisa de popularização do trabalho de arte que estava sendo feito no Brasil. Ele era muito próximo de jovens artistas, era mais velho que nós. E ele resolveu fazer a feira de arte no Museu de Arte Moderna. Pegamos nossas produções, fomos pra lá, colocamos numas barracas. E ele montou um ateliê de gravura com Dionísio Del Santo e convidaram artistas jovens a fazerem serigrafias, coisas que nós vendíamos lá. Pra você ter ideia, um dos meus primeiros compradores na feira foi o Ivan Cardoso, que devia ter treze ou quatorze anos, comprou com a mesada. Depois a feira de arte foi pra Saens Pena, que era uma forma de ir pra Zona Norte. Pra não ficar aquela coisa de Zona Sul, Centro, aquela coisa meio blasé. E fizemos depois na Praça General Osório, que é o que gerou a feira hippie, que é o que gerou a feira que é até hoje. Começou conosco, depois se desvirtuou, virou uma feira de artesanato também. A gente até mostrou na Feira da Providencia, tivemos barraca lá. A ideia era tirar o ranço erudito do trabalho e misturar o trabalho com o cotidiano. Você pega o Antonio Manuel, você pega o próprio Antonio Dias, “sujar” o trabalho com coisas que é do mundo real e não a empáfia do criador.
RF: Houve a Opinião 65, teve o Propósito 65, teve a Nova Objetividade... E aí, pensando no seu trabalho, é interessante perceber também que você começa cada vez mais, tendo a sua relação com a indústria, a experimentar com materiais que são mais industriais...
CV: Essa coisa da indústria que te falo... como trabalhei na Petrobras eu não tinha medo de indústria. Primeiro eu fui para uma fabrica chamada Plasticolor, que fazia os anúncios da Shell, Texaco, fazia aquelas bolhas de acrílico para os postos de gasolina. E os caras ficaram nossos amigos, era amigo do Glauco Rodrigues. Eu e Glauco fomos lá, ele fez as conchas da Shell, mulheres dentro e tal, e eu fiz as bolhas da Texaco com imagens inventadas, que tem até uma aí no meu escritório, você viu. A ideia é essa mistura com coisas que você vê na rua, só que o assunto é diferente. Fisicamente era o que você via na rua, mas o assunto que você via lá dentro era diferente. Eu trabalhei com acrílico pra caramba, por causa da Plasticolor, as coisas dos feijões, das caixas de acrílico. E o papelão, primeiro por causa do papel Kraft, que tem a cor da gente, uma cor mulata, uma cor brasileira e tal. Tinha uma coisa que me interessava. Segundo porque você podia cortar e criar áreas gigantescas de baixo custo. Eu fiz o show da Elis Regina, Saudades do Brasil, todo feito de papelão. Foi o último show grande dela, eu fiz com o Marcos Flaksman, meu amigo, até hoje meu sócio, vamos dizer assim. Tivemos um ateliê de arquitetura, artes e cenografia. Eu fiz muita coisa e o papelão tinha essa cara. E a ideia de o Brasil vender material primário, as caixas eram embalagem de exportação. E eu comecei a fazer caixas e bonecos que eu empilhava como caixas. Aquela coisa da sociedade como estava se transformando e continua nesse caminho, de empilhamento de gente. Quando eu fiz o trabalho sobre Liberdade, a implosão da Frei Caneca, tem um texto do Graciliano Ramos que ficou preso lá e por isso eu mostrei junto com o que fiz em 68 na Petit Galeria - o empilhamento de bonecos e caixas - porque o Graciliano Ramos faz um texto dizendo assim: “... e agora estamos nós aqui, nessa prisão, empilhados feitos bonecos”. Uma cabeça como a do Graciliano, né? Eu acho que, a troca entre nós, artistas, na época era muito forte.
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CV: A gente queria ter um espaço de discussão intelectual numa produção tão controversa. Era uma mistura louca de gente. Ronaldo Brito, José Rezende, eu, Bernardo Vilhena – um poeta marginal – Baraveli. Era uma mistura, teoricamente não ia dar grude e essa era a ideia, que tivesse em cada duas páginas poderia contrariar a outra. E isso teve um fim chato, porque só foram feitos três números. Quem bancava era nós mesmos e isso é uma complicação. A distribuição era precária e acabou tendo uma briga interna porque eu havia feito um contato com a Rede Globo que bancou distribuir e bancar sem intervir e alguns disseram que não, que pra não iria fazer nada que tivesse a chancela da Globo. Era só distribuição, nós iríamos continuar com todo poder de decidir o que escrever, o que sairia. Mas não teve jeito. Vou te contar uma história muito impressionante da última reunião do Malasartes. Foi no ateliê do José Rezende, em São Paulo. Tinha umas portas de vidro e um jardim lá fora, estava um clima tenso porque era a reunião final, onde iríamos terminar a revista. E aí, de repente, entra um pássaro, se esborracha na parede e cai morto. E aí ficou aquele silêncio vendo aquele bicho ali, mostrando o que tinha acontecido. E aí veio o gato do Zé e pegou pra comer. Então quer dizer, isso vai da ideia da gente hoje montar o Jacarandá. Duas coisas, o Jacarandá com uma revista que possa circular internacionalmente pra mostrar a produção brasileira que hoje já tem um trânsito internacional muito diferente e uma revista que possa ter uma circulação no Brasil também , que seja um pensamento de artista . E o clube ser, um pouco, o bar do museu. Um espaço de troca que possa ter exposição. Lá no bar do museu tiveram várias exposições na parede. Então, a ideia do Jacarandá ser um centro difusor, não centralizador. Mas um centro que possa aglomerar os artistas de diferentes idades e sem ter uma construção burocrática. Não tem presidente, não tem chefe, não tem carteirinha. Se eu convidar você, você vai ser sócio. Se eu não convidar, você não vai ser, a não ser que outro convide. A ideia do crescimento é essa, de ser um crescimento autentico. Então mistura o meu trabalho com o trabalho de um jovem artista.
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RF: Queria fazer uma pergunta já entrando no começo dos anos 80 pra gente seguir esse percurso, sobre a sua participação na Bienal de Veneza. Eu li em alguns lugares que o trabalho que você mostra lá e que é bem grande, tem tudo a ver com a sua pesquisa no Cacique e no Carnaval... e em alguns vídeos que vi na internet em que você fala que é um trabalho que encerra um ciclo e abre um outro período seu com a abstração. Eu queria que você falasse um pouco mais sobre isso.
CV: Exatamente, encerra um ciclo. Era um trabalho forte, aquela coisa das máscaras. Era uma ideia interessante de mostrar em Veneza e encerrar o ciclo do carnaval. Só que se encerra com *o carnaval com alguma coisa que tinha percebido no final que as grades de separação entre público e carnavalesco, desfile e público assistente e carnavalesco – eu fotografava dos dois lados, o público através da grade e fotografava o carnaval através das grades. Na verdade, era uma grade inventada, por dois olhares. E eu comecei uma série de desenhos diagonais que era aquela grade e que pudessem estar imantadas, como se estivesse pintado pelos dois lados, com tintas transparentes. É uma série que eu faço até o final dos anos 80, que também não faço mais.
RF: E como é que se deu esse processo? Você tem um trabalho que é muito voltado pra figuração e como começa a fazer as grades?
CV: As grades são figuração. Porque são diagonais e é uma medição de um espaço, com a tensão que eu posso colocar naquele espaço. Eu fiz coisas muito grandes, coisas pequenas, a lápis. Na verdade, é uma medição emocional de um espaço. Como é que eu posso tornar esse espaço imantado para o olho através do uso da cor? Tem essa coisa do Borges que eu gosto de contar. Eu fui numa última palestra do Borges, ele estava sentado numa mesinha. A Maria Kodamo levou ele até lá, tem um copo d’água, o Teatro Colón lotado de gente. O Borges senta sozinho, já cego, e fala assim: “las personas piensam que los ciegos no ven y el amarillo jamás me abandonó”. Eu vejo o amarelo sempre. Eu vejo as cores de outra forma. Como Beethoven escutava a música. Esse mistério da arte, a vantagem da idade é perder o medo. Eu posso fazer uma coisa figurativa, com uma paisagem inventada como essa escultura daqui. Posso ampliar uma escultura guarani, posso emendar as grades com fotos minhas, posso tudo. Não tenho que ter um estilo, um artista não precisa ter um estilo. Eu posso mudar.
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RF: Você falou da monotipia, você falou dessa questão um pouco ritual de fazer a monotipia... e se tem algo que me parece que corta o seu percurso é essa coisa da viagem. Você, nitidamente, é uma pessoa que gosta muito de viajar.
CV: Eu sou um artista viajante. Mas eu falo muito do meu quintal, eu viajo muito pelo Brasil. Eu tenho uma curiosidade muito grande. Eu fui ao Cazaquistão, fui até o Turquistão andando. Uma viagem louca. É um bom você conhecer o outro, o outro te ensina muito sobre você. Eu faço muito uma coisa que é pra dividir com os outros. Eu não faço uma viagem egoísta, fazendo fotografia turística pra fazer meu álbum e mostrar pra minha família. Eu faço pra fazer exposição depois. Quando eu fiz o trabalho sobre a Capadócia, eu fui duas vezes lá pra visitar e trabalhar. A Turquia é uma coisa fabulosa, tudo que começou passou por lá. Por que eu fui pra Capadócia? Depois de ter visto a experiência dos guaranis com os jesuítas nas missões, a tentativa louca – e era um cristianismo primitivo – comida igual, comida pra todo mundo, era uma coisa como na Capadócia. Fui pra Capadócia pra ver esse cristianismo primitivo, fui em muitas igrejas lá. A história é muito forte, depois da morte de Cristo, São Paulo, São João e Maria Madalena foram pra Capadócia. De lá, São João e Maria Madalena atravessam para Camarga, na França,atravessam o mediterrâneo. De lá São João vai pra Inglaterra e funda uma igreja na Inglaterra. Quando o Papa manda colonizar os druidas lá, já tinha uma igreja apostólica, mas não romana. Eu estou louco pra ir a Irlanda, Stonehenge.A monotipia, acho que isso é uma coisa importante, foi a primeira ação artística do homem. As mãos nas cavernas... “eu vivi, eu estive aqui, eu sou”.
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RF: Deixa eu só te fazer umas perguntas finais, já saindo dessa coisa da linha do tempo, de percurso. Uma curiosidade que eu tinha e que você fala num vídeo seu, numa entrevista que vi na internet. Você entra no ateliê e você fala a seguinte frase: “A gente vai entrar agora num almoxarifado muito fino” Eu acho muito curioso na minha geração, muitos amigos sequer possuem um ateliê. A gente vive muito o trauma do edital, eu tenho uma ideia e quando tem um edital eu faço aquela ideia. Isso que você tem, esse convívio diário com ateliê e com os materiais, na minha geração isso, muitas vezes mais, não aparece mais. Eu queria te perguntar qual é a importância do seu ateliê – ou melhor, como você disse antes, da sua “padaria”...
CV: Primeiro, eu sou um acumulador de coisas. Eu coloquei até na parede um pedaço de um coco, vou te mostrar na saída... e meus pigmentos. Quer dizer, como eu trabalho grande... a pintura exige um espaço pra você trabalhar e eu gosto de pintura. Eu acho que pintura ainda tem o que dizer.Eu adoro o trabalho do Henrique Oliveira, nem conheço ele pessoalmente, mas adoro pintura. Ainda tem o que dizer e eu estou vendo um jeito de dar voz atual para a pintura. O ateliê, esse lugar, é meu almoxarifado onde eu tenho o meu acervo de cores, de coisas que as vezes eu recorro, que eu preciso e tem que estar a mão. Essa coisa do edital, as escolas de arte... o Parque Lage tem essa função de ser um ateliê.
RF: Já que você falou do Henrique, aproveitando que você falou o nome dele, quais artistas, de outras gerações mais jovens, você acha que são potentes e te interessam?
CV: Nome é ruim pra caramba. Eu lembrei agora do Henrique Oliveira, mas eu não posso deixar de falar de uma paraense [Berna Reale] que trabalha na polícia como perita criminal e que produz performances que eu acho fenomenais. Embora ela não seja jovem, mas jovem como artista. O meu assistente aqui, o Luis D’Orey, tem um trabalho que me interessa. Eu fiz uma exposição, inaugurando uma galeria alguns anos atrás, e chamei o Thiago Rocha Pitta, que é outro artista que gosto, pra fazer uma conversa comigo. Fizemos num botequim aqui embaixo, o texto chamava: “conversa de um jovem que está chegando com um velho que não está saindo”
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CV: Eu vi coisas importantes onde o Hélio estava, o Cildo estava. As primeiras manifestações no MoMa em que estavam os meus colegas... Tunga, além de amigos, viajamos juntos. Acompanhei o trabalho dele e ele acompanhava o meu trabalho, eu tenho muita coisa dele. Jovem artista! Waltércio foi um jovem artista, eu sou mais velho que ele... os bem mais jovens mesmo, a Daisy Xavier... são coisas que eu aprendo. Não só com Raul Mourão, não só com Bechara, não só com Zerbini que são de outra geração. Eu aprendo com eles pra caramba, aprendo, inclusive, o que eu não quero fazer e defendo até a morte o direito deles fazerem. Não esses três que citei, mas outros aí. Eu entrei no Pantheon na exposição do Ernesto Neto e eu tive orgulho de ser brasileiro. Tinha um filme passando e várias freiras e franceses olhando e o Ernesto falando em português as maiores loucuras e uma tradução simultânea em francês para as pessoas. Era uma coisa feita com oito alpinistas pra subir no Pantheon francês, onde tem no centro o pêndulo de Foucault. Fui lá no Louvre ver o primeiro artista contemporâneo a mostrar lá, o Tunga. Isso é animador pra mim, tem artistas que são animadores. Fui ver a instalação do Matheus Rocha Pitta, eu sou plateia de arte também. Eu vou ver coisas, não interessa de quem seja. Não vou ver só pra minha geração, a minha confraria é todo mundo.
RF: Não a toa o Jacarandá esta aí. Agora, falando na sua geração... que artistas da sua geração você acha que deveria ser mais conhecidos, deveriam ter uma repercussão maior? Eu sei que você tem um percurso de 60 anos e claro que muita gente apareceu, desapareceu, foi esquecida pela história...
CV: Tem um cara que me interessa muito, que teve em Malasartes, fazia empilhamentos... Umberto Costa Barros. Esse eu acho que tinha que estar aí. O trabalho que ele fez no museu, com as persianas, por exemplo, coisas que são pequenas perturbações que podem gerar mergulhos. O que você pode pedir mais de arte que isso? Onde você aprender sobre si mesmo e sobre a potência que você tem você mesmo, de raciocinar e de intuir. E de pensar com outros olhos, que não sejam o da mente. Os olhos da intuição. Os olhos de áreas sutis do cérebro e não de áreas pragmáticas. Do contrário, você vai olhar os seus olhos para não tropeçar nas cadeiras.
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RF: Uma última pergunta: Num dos vídeos que vi, você fala de jovens artistas que estão chegando e você não está saindo. Tem uma hora que você fala: “o artista trabalha com aquilo que ele não conhece”. Pra terminar, a minha pergunta seria essa: o que você que não conhece ainda e que você gostaria de trabalhar?
CV: A gente não conhece nada. Tem uma soma de coisas que você conhece e que na verdade é o equipamento que você usa para fazer as descobertas. Por exemplo, refazer um desenho que pareça uma paisagem mas que tem um veneno diferente... como é que eu posso fazer uma coisa que parece uma coisa e na verdade é outra, que contém a possibilidade de uma outra entrada? Isso é desconhecido, eu vou descobrir ali, tentando, olhando. Eu costumo fazer uma aula de desenho, o Guilherme Vergara que adora, que é o seguinte: no papel branco faço um traço. Tenho um traço e dois espaços. Faço outro traço em outro sentido. Tenho quatro espaços, dois traços e uma cruz, que é um significado novo. Então, o trabalho de arte é: faço um traço, faço outro, vou somando e tentando trazer significados. É uma conversa com o branco, é uma conversa com o nada e tentar fazer posar alguma coisa de interessante nesse nada.
(versão editada de entrevista realizada em 22 de setembro de 2017 para a publicação “#ArteClubeJacarandáMemória #1”, organizada por Maurício Barros de Castro e eu, a respeito da obra de Carlos Vergara)