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Estrelas de plástico

Mayana Redin
[05 de junho de 2014]




Uma das primeiras lembranças que tenho da chamada “vida adulta” é de acordar de madrugada em uma cama que não era a minha. Ao olhar para o teto, plásticos em formato de estrelas brilhavam. Durante o dia, sob a luz do sol, eram recortes um tanto quanto toscos de um plástico frágil e que pareciam um corpo estranho no branco da parede. No apagar das luzes, davam o tom que sugeria o romantismo daquele quarto. Vez ou outra, porém, as estrelas caíam e nos faziam lembrar que eram apenas ilusões; sempre seriam objetos palpáveis e, nesse sentido, com uma natureza muito diferente dos corpos celestes que emulavam.

Ao lado do apartamento em que essa cena aconteceu por alguns meses, havia outras habitações. Se é possível dizer que naquele teto havia uma pequena constelação, ao pensar na organização de uma arquitetura vertical onde vidas e objetos são amontoados, poderíamos concluir que todo prédio é, por si só, uma pequena constelação. Os agrupamentos de pessoas e os modos como elas se relacionam através da aproximação ou do rechaço dão os contornos dessa divisão da esfera celeste. Olhamos para cima e desenhamos as estrelas com os dedos; porque não também olhar para esses edifícios que cortam as metrópoles e apontar para os corpos (agora celestes) que se movimentam entre elevadores e escadas?

Alguns prédios do Rio de Janeiro podem ser advindos, literalmente, “do espaço”. Um se chama Saturno, outro ostenta sua origem marciana e um terceiro possui um nome ao mesmo tempo sintético e pretensioso: Kosmos, o mesmo nome próprio que um bairro carioca carrega para si. Cada um deles tem sua carteira de identidade visível aos olhos dos passantes, mas geralmente não percebida na eterna corrida contra o tempo que a contemporaneidade nos proporciona – exposta à chuva e ao sol através de letreiros com diferentes fontes, tons de dourado e graus de ferrugem.




A pergunta que Mayana Redin nos lança aqui é: e se conseguíssemos fruir esses corpos celestes a partir de sua atual localização geográfica pela cidade? E se esses nomes não fossem distribuídos de modo aleatório na malha urbana, mas constituíssem um projeto de constelações arquitetônicas? Seriam esses prédios próximos historicamente e frutos de um boom posterior à suposta pisada do homem na Lua? Poderíamos falar em um projeto futurista pautado na implementação da arquitetura moderna em diferentes áreas do Rio de Janeiro?

Diferentemente do trabalho de um pouco inspirado historiador da arquitetura que quereria registrar e criar justificativas documentais para tal fenômeno, a artista aqui olha para esses dados como se tivesse um caleidoscópio nas mãos. Tendo o Parque Lage como ponto norteador, projeta no espaço físico as tipografias dessas estrelas da/de modernidade. Uma constelação nasce, mas ela é tão frágil quanto aqueles astros que um dia caíram sobre meu rosto e me fizeram acordar.

Na ausência de certezas sobre as estranhas coincidências do mundo, nos cabe estranhar, recordar e fabular – especialmente quando se sabe que, como diria Moby, “todos somos feitos de estrelas” (sejam de plástico, sejam de nossas fachadas).





(texto publicado originalmente no catálogo da exposição "Quarta mostra", relativa ao Programa Aprofundamento 2013, da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro)
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