Farol
Engel Leonardo
[13 de abril de 2019]
As relações entre o humano e a história, a arquitetura e a cultura material são alguns dos interesses centrais do trabalho de Engel Leonardo (República Dominicana, 1977). Com uma trajetória de cerca de quinze anos como artista visual, sua produção costuma estar baseada em pesquisas sobre arquitetura moderna tropical, histórias reprimidas pela modernidade, e a transmissão de conhecimento indígena e africano através de objetos comumente vistos como artesanais, folclóricos ou etnográficos. Nascido e baseado na República Dominicana, interessam especialmente ao artista as narrativas arquitetônicas e artesanais que tensionam noções de tropicalidade, modernismo, cultura indígena e cultura afro-americana.
Em sua primeira exposição individual no Brasil, “Farol”, somos convidados a retornar quase cem anos no tempo e aprender com uma figura peculiar da arte moderna no Brasil: Flávio de Carvalho (1899-1973). Em 1928, a então vigente União Panamericana abriu um concurso para a construção de um farol dedicado a Cristóvão Colombo e erguido em Santo Domingo, capital da República Dominicana. O arquiteto e artista Flávio de Carvalho –conhecido por sua experimentação em diversas linguagens, da pintura à performance – recebeu uma menção honrosa com um projeto que se apresentava como uma encruzilhada de referências. A estrutura externa de seus esboços dialogava com os arranha-céus de concreto; enquanto isso, o projeto de decoração interna citava culturas ameríndias tão diferentes como a Asteca, Guarani, Maia, Marajoara e Tolteca. Trata-se de uma liberdade de associação entre formas e culturas um tanto quanto antropofágica.
Nos últimos anos, Engel Leonardo tem estudado o projeto de Flávio de Carvalho de maneira minuciosa. Alguns detalhes propostos para o monumento chamaram a sua atenção: dos contornos das portas até detalhes relativos aos azulejos, grades e papéis de parede. A experimentação de Carvalho se transformou em diretriz para novas peças de Leonardo que citam o projeto e ao mesmo tempo trazem ao presente imagens longe das pretensões futuristas originais.
Dois desses trabalhos proporcionam uma experiência mais física do espaço por terem estruturas tridimensionais. Um deles se refere a um portal desenhado por Flávio de Carvalho e outro se trata da transformação de desenhos de guacos em metal. A terceira série de trabalhos dá corpo a azulejos projetados que tinham como referência a cerâmica marajoara e fazem combinações na parede. Por fim, três novos trabalhos são criados livremente por Leonardo a partir de uma das grades desenhadas por Carvalho – linhas verdes ou esquematizações das folhas de palmeira? A cor e o desenho de objetos são elementos centrais para a produção de Engel Leonardo e, a partir deles, o artista tensiona a todo momento o espaço, a representação da natureza e a abstração.
Com essa exposição, o projeto de Flávio de Carvalho retorna ao Rio de Janeiro – foi aqui que ele foi julgado por Frank Lloyd Wright, Elieel Saarinen e outros jurados em 1931. Esse retorno se dá em outra espécie de farol – o MAC Niterói – e sem nostalgias; o olhar de Engel Leonardo se encontra entre o respeito pela memória e a capacidade de nos fazer lembrar que os tempos são outros e que a ansiedade moderna pode ser revista por uma chave mais sintética. A pesquisa de Leonardo nos convida a pensar o museu como um farol que, a partir de proposta do Carvalho, nos permite olhar com nova luz a cosmovisão das culturas originárias do continente americano e seu subsequente silenciamento pelo processo de colonização iniciado pela viagem de Colombo.
(texto curatorial escrito com Pablo León de La Barra sobre a exposição "Farol", de Engel Leonardo, realizada no MAC Niterói entre os dias 13 de abril e 04 de agosto)