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Fazendas


Luciano Boletti
[07 de dezembro de 2011]



Uma série de imagens sem título. Pinturas? Não em seu sentido estrito, visto a utilização do grafite, material-pai do desenho. Telas em escalas grandes, acima de um metro de extensão. A repetição de uma mesma figura bovina em amarelo e em preto. Se um dia a pintura de Luciano Boletti saturava o espaço bidimensional, hoje dá lugar à exploração de seus trechos vazios; da soberania do preenchimento para a solidão dos contornos. A cor uma vez dotada de sustância agora é respingada ou escorrida pela superfície da tela. O lago dá lugar a uma cachoeira e, ao lado dela, soberana, surge a esquemática e incessante figura de uma vaca.
A opção por não utilizar nesta exposição as paredes da galeria como superfície, mas sim um dos objetos centrais da tradição clássica, a tela de linho, contribui com a aparência de miragem destas imagens. As vacas não se encontram distribuídas tal qual uma grande solidão compartilhada e transformada em única manada sobre as paredes. Nesta outra configuração, há a construção de diversos espaços delimitantes, quadrados que oferecem ao espectador diferentes cenários de fazendas.

Não se trata de um exercício anatômico como aqueles feitos por Andreas Versalius; a vontade de destrinchar e dominar o corpo aqui foi jogada no liquidificador. Andy Warhol transforma o retrato de uma vaca em lambe-lambe e o cola dentro de um museu; a publicidade cosmopolita é recodificada como papel de parede. Luciano Boletti também explora a transformação deste mesmo animal em ícone, em cultura de massa. Seu animal, porém, não é viçoso como o de uma placa de trânsito, nem reticulado como o da pop art.

O artista pinta estes animais como se fossem de cera, tal qual as esculturas de Tatiana Blass. De modo semelhante a outros elementos de sua pesquisa artística, mesmo idolatrada, esta representação da vaca também está fadada ao derretimento e sumiço. Em alguns exemplos temos Narcisos bovinos; animais se desintegram em um duplo desenhado ou mesmo em uma anomalia de outro corpo que se origina a partir do seu. Traços que parecem com arame farpado se colocam em torno dos bovinos, os isolando do espaço e fazendo o papel de uma coroa de espinhos. No outro pasto, na outra tela, animais são apresentados nas mais diversas posições, a voar céu afora devido a um tornado, como na clássica cena do longa-metragem “Twister” (1996).



Não há chão, não há linha do horizonte, não há porto seguro; enfrentamos uma série de sobreposições de tinta e de grafite, amarelo, preto e branco. A tinta dá corpo às vacas e elas, por sua vez, explicitam estas vizinhanças de tinta que se cruzam. Caberá ao espectador a missão de delimitar uma geografia para estes pastos fictícios aqui fabulados.


(texto produzido para a exposição "Desenho e pintura", de Luciano Boletti, realizada na Galeria de Arte Pedro Paulo Vecchietti, em Florianópolis, entre os dias 14 de dezembro e 27 de janeiro)
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