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Fechaduras


[07 de outubro de 2012]



Muitas podem ser as formas de uma fechadura. No presente evento expositivo realizado no Ateliê Coletivo 2E1, temos no mínimo três sinuosos e diferentes desenhos para este orifício que convida o espectador a contemplar.

Na fachada da casa, diferente das entradas para chaves, contornos se oferecem ao público de modo horizontal. Estas silhuetas se configuram como um pasto sobre a arquitetura. Pequenas imagens de vacas quebram com a pretensão uniforme do branco que acentua a verticalidade do edifício. Ao se lançar o olhar a partir do outro lado da calçada, pontos dourados convidam o passante a se deter por alguns momentos sobre uma ambiência bucólica incompatível com a disseminada imagem da cidade onde o cinza é rei. O panorama convida para a minúcia.




Entre quatro paredes, uma ação que envolve a troca entre artista e público é inserida em um contexto burocrático. Sobre a luz de uma luminária, ambos tem suas sombras projetadas sobre um rolo de papel que serve de fundo. A ponta do lápis se transforma no vértice de uma faca e o que um dia foi área obscura e fugidia se transforma em figura humana. A intimidade de se resguardar a sombra de um ente querido, narrada deste a Antiguidade através da figura de Butades, aqui é atravessada por um comprovante de movimentação de sombras; documenta-se um impossível controle.

Ao fundo, na penumbra, o amarrotado branco de uma inflável cama de solteiro contrasta com o brilho do arame farpado. O lugar de repouso ganha tons de campo de batalha e os braços de Morfeu são mais próximos de um abraço de Ícelo. Nesta inversão da ordem doméstica, onde nossas plumas mentais são capazes de cair de “baixo para cima” (ou melhor, onde o senso de direção lógico é abandonado) só temos uma saída: abraçar nosso travesseiro bem forte e esperar pelo parar dos ponteiros. Não, não existe nenhum som em nosso relógio, mas um pêndulo insiste em coordenar nossos olhos.

Ao abrir esta casa, pedimos aos voyeurs da arte contemporânea que bisbilhotem a doação de sombras a Daniela Seixas, a fronteira pontiaguda de Carolina Paz e o dourado profano de Luciano Boletti. Se existem fechaduras, elas hão de ser usadas como monóculos poéticos.

[artistas participantes: Carolina Paz, Daniela Seixas e Luciano Boletti]


(texto curatorial relativo à edição de setembro do GetTogether no Ateliê Coletivo 2E1, em São Paulo)
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