Leg godt
[25 de julho de 2015]
Essas perguntas são feitas através de distintos pontos de vista pelas imagens de sua autoria. É difícil circunscreve-las a uma técnica visto sua nítida vontade de experimentação através de mídias como a pintura, a escultura, a instalação, o vídeo e a fotografia. De todo modo, após circular pelos dois andares do museu, três linhas de força chamam a atenção e me parecem proporcionar um campo semântico de sua produção: a cor, a História e o humor.
Através dessa articulação de signos, fica perceptível a postura ácida do artista em relação à criação de imagens europeias sobre a América durante a colonização. Joaquín Rodriguez del Paso revisita as imagens que construíram culturalmente o território americano como espaço paradisíaco e, como o título da série aponta, hoteleiro e turístico. Poderíamos enxergar os colonizadores da América Latina como os primeiros hóspedes desse vasto território? Ou então, voltando para a imagem e a enxergando de modo perverso, não seria mais interessante vê-los como os primeiros empresários responsáveis por roubar a terra da população nativa, segmenta-la e, pouco a pouco, transformar os habitantes em hóspedes?
Como outra imagem do artista diz de modo mais seco e direto, a América se constrói por muitas vezes através de “una historia en blanco & negro” – onde os brancos foram, literalmente, carregados nas costas pelos negros e a relação entre colonizador e colonizado se deu com papéis muito bem definidos. Mesmo consciente desse percurso histórico, o que chama a atenção na exposição é constatar que o olhar do artista não proporciona imagens dadas através de articulações literais das relações entre imagem, política e América Latina.
Difícil era conter o riso ao se aproximar de “Leg godt”, de 1996. Nas paredes ao lado da escultura que repousava sobre o chão, duas frases se colocavam entre a explicação e a confusão proporcionada pela imagem: “Henry Moore encontró inspiración en la escultura precolombina” e “Se encontró plástico en algunos sítios arqueológicos mayas”. A obra, feita toda através da sobreposição de peças da marca LEGO, remetia a uma das formas mais reconhecidas pela história da arte das esculturas encontradas nos territórios ocupados pela civilização maia, o chamado Chaac Mol.
Se, por um lado, o escultor inglês Henry Moore dialogou efetivamente com as tradições escultóricas milenares não-européias através de suas formas que representavam figuras em estado de repouso, por outro, ao sugerir a presença de plástico em sítios arqueológicos, Joaquín Rodriguez del Paso ironiza não apenas com os “caminhos da escultura moderna” (como diria Rosalind Krauss), mas com a relação entre Ocidente, cultura do consumo e América Latina. A história da arte e sua perspectiva comumente eurocêntrica foi capaz de identificar um tipo de escultura maia, mas não seria capaz, voltando às pinturas anteriores, de reconfigurar a clara relação de colonização em algumas de suas abordagens historiográficas.
Voltando às palavras do artista, após elencar aquela série de perguntas, ele próprio comenta: “Obviamente, no hay respuestas: sólo propuestas paradigmáticas”. É esse caráter questionador, mas sem o desejo da resposta definitiva, que potencializa sua produção e nos faz lembrar que brincar com imagem e História, mais do que ser coisa séria, é difícil.
(texto publicado originalmente na ArtNexus de junho-agosto/2015)