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Leg godt


[25 de julho de 2015]



Mais do que não conhecer anteriormente o trabalho de Joaquín Rodriguez del Paso, era minha primeira viagem a San José, capital da Costa Rica. Logo nesta primeira entrada em uma instituição local – o Museo de Arte y Diseño Contemporáneo –, me deparei com um espaço de mais de dois mil metros quadrados tomados por obras que percorriam os cerca de vinte e cinco anos de produção do artista costarriquenho. Antes de me concentrar em algumas obras ali reunidas, gostaria de recordar as palavras do próprio artista acerca das indagações centrais de sua pesquisa: “Qué significa nacer, crecer y vivir en una economía periférica? Qué significa hablar un idioma considerado secundario? Vivir en un país subdesarrollado, y últimamente, un país considerado ‘paraíso’ ecológico? Qué significa ser un artista en esta sociedad? Tiene alguna validez nuestra producción, siendo que se nos cataloga como culturas derivativas?”.

Essas perguntas são feitas através de distintos pontos de vista pelas imagens de sua autoria. É difícil circunscreve-las a uma técnica visto sua nítida vontade de experimentação através de mídias como a pintura, a escultura, a instalação, o vídeo e a fotografia. De todo modo, após circular pelos dois andares do museu, três linhas de força chamam a atenção e me parecem proporcionar um campo semântico de sua produção: a cor, a História e o humor.




Exemplo significativo dessa relação triangular é a série de pinturas “Hotel América”, realizada entre 1994 e 1995. Com um fundo verde e colocado em uma parede toda pintada de lilás, o contraste na relação entre obra e expografia convidava a uma aproximação por parte do corpo do espectador. Uma vez detidos nos detalhes, se percebia a imagem de um homem trajado tal qual um europeu durante o chamado Renascimento em diálogo com duas figuras humanas seminuas sentadas dentro e de frente para uma paisagem que se abria através de um ponto de fuga. Logo abaixo do círculo narrativo que apresentava essa cena, a recodificação de uma pintura de grotesca onde se lia “América” e “circa 1505”.

Através dessa articulação de signos, fica perceptível a postura ácida do artista em relação à criação de imagens europeias sobre a América durante a colonização. Joaquín Rodriguez del Paso revisita as imagens que construíram culturalmente o território americano como espaço paradisíaco e, como o título da série aponta, hoteleiro e turístico. Poderíamos enxergar os colonizadores da América Latina como os primeiros hóspedes desse vasto território? Ou então, voltando para a imagem e a enxergando de modo perverso, não seria mais interessante vê-los como os primeiros empresários responsáveis por roubar a terra da população nativa, segmenta-la e, pouco a pouco, transformar os habitantes em hóspedes?

Como outra imagem do artista diz de modo mais seco e direto, a América se constrói por muitas vezes através de “una historia en blanco & negro” – onde os brancos foram, literalmente, carregados nas costas pelos negros e a relação entre colonizador e colonizado se deu com papéis muito bem definidos. Mesmo consciente desse percurso histórico, o que chama a atenção na exposição é constatar que o olhar do artista não proporciona imagens dadas através de articulações literais das relações entre imagem, política e América Latina.



Difícil era conter o riso ao se aproximar de “Leg godt”, de 1996. Nas paredes ao lado da escultura que repousava sobre o chão, duas frases se colocavam entre a explicação e a confusão proporcionada pela imagem: “Henry Moore encontró inspiración en la escultura precolombina” e “Se encontró plástico en algunos sítios arqueológicos mayas”. A obra, feita toda através da sobreposição de peças da marca LEGO, remetia a uma das formas mais reconhecidas pela história da arte das esculturas encontradas nos territórios ocupados pela civilização maia, o chamado Chaac Mol.

Se, por um lado, o escultor inglês Henry Moore dialogou efetivamente com as tradições escultóricas milenares não-européias através de suas formas que representavam figuras em estado de repouso, por outro, ao sugerir a presença de plástico em sítios arqueológicos, Joaquín Rodriguez del Paso ironiza não apenas com os “caminhos da escultura moderna” (como diria Rosalind Krauss), mas com a relação entre Ocidente, cultura do consumo e América Latina. A história da arte e sua perspectiva comumente eurocêntrica foi capaz de identificar um tipo de escultura maia, mas não seria capaz, voltando às pinturas anteriores, de reconfigurar a clara relação de colonização em algumas de suas abordagens historiográficas.




É importante lembrar o título desse trabalho: “Leg godt”, ou seja, o termo em dinamarquês que deu origem ao nome da marca LEGO e que quer dizer “brincar bem”. Essa frase me parece ser um importante princípio norteador do modo como o artista opera distintas camadas de imagens. Seja através de um trabalho como “Mejen-Go”, de 2004, onde o mapa da América Central é o suporte para uma partida de futebol de mesa que conta com a participação do público, ou através de um trabalho que pensa a relação entre imagem e geometria através do design de caixas de papelão para pizza, o olhar de Joaquín é perspicaz no que diz respeito à sua capacidade de brincar com materiais, formas e palavras, num jogo entre significado e significante que mantém o público com um sorriso no rosto, mas com a atividade mental sempre em diálogo com a memória histórico-geográfica da Costa Rica e da América Latina.

Voltando às palavras do artista, após elencar aquela série de perguntas, ele próprio comenta: “Obviamente, no hay respuestas: sólo propuestas paradigmáticas”. É esse caráter questionador, mas sem o desejo da resposta definitiva, que potencializa sua produção e nos faz lembrar que brincar com imagem e História, mais do que ser coisa séria, é difícil.


(texto publicado originalmente na ArtNexus de junho-agosto/2015)
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