Liberdade
Solange Escosteguy
[07 de novembro de 2019]
Como a própria artista gosta de dizer, seu percurso vai “da cor à palavra” – e começamos, no primeiro andar, com obras que são fruto da união entre ambas. Nos últimos dois anos, desde que retornou ao Rio de Janeiro, a artista tem se dedicado a pensar trabalhos em que a palavra é lançada como uma semente para o espectador que se torna responsável por vê-la crescer a partir de seu próprio repertório. Algumas delas vem de um campo semântico que remete a mensagens explicitamente políticas – como quando a artista escreve “basta”, faz um “X” ao centro da composição e abaixo diz “pazpazpaz”. Outras de suas escolhas soam mais hedonistas, mas são rapidamente negadas – a artista afirma “sorria”, mas pinta sobre a palavra, novamente, um “X”. Por fim, uma terceira tentativa de agrupar os trabalhos também nota momentos em que frases poéticas estão presentes – “a lua agora vive / na casa onde se mora”, diz um de seus quadros verticais forrado com acrilon.
Essa série cria um diálogo interessante com outras da artista incluídas na exposição e vindas de momentos anteriores de sua produção. No segundo e terceiro andares da galeria, vemos tanto algumas de suas “Anti-caixas” – datadas dos anos 1980, mas produzidas desde a década de 1960 -, quanto obras de parede de sua série das “Construções”, da mesma década. Em todos esses trabalhos, não apenas a cor está presente, como também o constante desejo de experimentação por parte da artista – as “Anti-caixas” seguem na esteira do questionamento sobre o lugar do objeto na arte contemporânea, ao passo que as “Construções” tensionam os limites da pintura e seus formatos convencionais.
Desde os anos 1960, quando Solange inicia sua pesquisa como artista visual por meio das “Anti-caixas” e das roupas que cria para seus desfiles-happening, a interação ativa do corpo do público se faz presente em parte de sua produção. No terceiro andar da exposição, mantendo ativa sua chama da experimentação, a artista propõe um trabalho novo em que o público novamente pode interagir – aqui de maneira lúdica, tal qual uma brincadeira de criança ou mesmo os tradicionais jogos das festas juninas. Um panneauxde tamanho grande traz vários buracos e, em cada um deles, uma palavra é escrita – o arco semântico delas é novamente amplo e passa por sentimentos, palavras de ordem e termos que remetem tanto aos direitos humanos, quanto ao fascismo que tem abalado o mundo nos últimos anos. Instalados à sua frente, uma nova série de quadros em pequena dimensão pode ser vista como um conjunto de placas que sinalizam caminhos possíveis para um futuro que diariamente nos assusta e se pinta cada vez mais como incerto.
É nesse momento que temos a certeza de que a “Liberdade” pela qual essa exposição e a pesquisa de Solange Escosteguy clama não é aquela das técnicas, materiais e cores do campo das artes visuais – muito mais do que isso, a artista deseja um mundo em que a humanidade possa se enxergar livre por meio de uma sociedade mais igualitária quanto a seus direitos legais, sua distribuição econômica e seu respeito quanto às nossas diversas diferenças culturais e existenciais. Seria isso um dia possível?
Não sabemos, mas enquanto aguardamos a passagem do tempo, a artista acredita no fazer da arte como uma atividade que ainda é capaz de libertar.
(texto curatorial da exposição "Liberdade", de Solange Escosteguy, realizada na Portas Vilaseca Galeria, no Rio de Janeiro, entre os 07 de novembro de 2019 e 11 de janeiro de 2020)