Ministro do tempo
Roberto Magalhães
[02 de abril de 2013]
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Roberto Magalhães, enquanto isso, adapta o título do quadro de Gauguin para um pastel sobre papel em que uma figura humana é protagonista. Inexiste aqui, porém, a frontalidade da face. A solidão de um homem que traja, aparentemente, um terno é delineada pela economia cromática. Após vermos suas costas, temos a bifurcação de seu rosto; metade para a esquerda, metade para a direita. Não existe uma linha reta e o campo da certeza na produção de imagens de Magalhães, mas, antes disso, um convite à dúvida e apreciação mais curvilínea de sua poética.
É interessante constatar, de todo modo, como o título desta retrospectiva ecoa, esta outra pintura que visava fazer um esquema temporal da existência humana. No Paço Imperial, porém, a cronologia não era o elemento que unia os cerca de cento e setenta e quatro desenhos que foram garimpados a partir de um total de mais de três mil. O primeiro critério foi material – todos os trabalhos expostos foram realizados sobre papel. Fazia-se interessante constatar a versatilidade do artista junto a esse instrumento de experimentação e os diversos resultados obtidos desde materiais tidos como mais nobres, tal qual o pastel, a outros mais banais como as canetas esferográficas.
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A constância dos traços masculinos utilizados pelo artista e sua proximidade com os assumidos autorretratos presentes na exposição, nos levam a pensar que há uma espécie de questionamento da natureza humana através do embate com seu próprio reflexo. Para tal, pensando através da história da arte, é possível aproximá-lo de diferentes correntes estéticas advindas do chamado modernismo, como, especialmente, o surrealismo e o cubismo. Se através do primeiro podemos ler uma recomposição do rosto através de estranhezas que lembram Magritte, junto à lembrança de Picasso podemos apreender de outro modo a capacidade de Magalhães fragmentar e tornar claros os contornos geométricos de humanos, objetos e paisagem. De todo modo, longe dos manifestos vanguardistas e do autoritarismo da escrita, essa reunião de imagens e o modo como o artista se locomove entre diferentes resultados finais acaba por aproximá-lo, creio, com uma pesquisa artística mais próxima à pop art e suas inteligentes apropriações das realizações ainda recentes da primeira metade do século XX.
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Essas características nos levam a outra importante característica de sua produção que já estava contida no início desta análise: a relação entre texto e imagem. Se muitos de seus desenhos tendem ao humor ou a uma estranheza que deixam claro o caráter aberto por parte da interpretação do espectador, é nos títulos que somos convidados a ler suas imagens através de um trilho ainda não pensado. Em um desenho de 1976, somos surpreendidos por olhos, nariz e boca que foram rotacionados em noventa graus, mas ainda permanecem dentro do contorno de uma cabeça. Ao lermos seu título, “Ministro do tempo”, voltamos à imagem e podemos encará-la à luz dos ponteiros de um relógio.
Esta interpretação pode ser ampliada, creio, para a exposição como um todo. Temos à nossa frente a produção de um “ministro do tempo” capaz de conduzir uma pesquisa artística obcecada pelo desenho e pela narrativa por mais de cinquenta anos. Mesmo assim, joga ao espectador e ao crítico a incapacidade de enquadrá-lo através de apenas uma via de acesso. Assim como um relógio, muitas são as posições dos ponteiros da carreira de Roberto Magalhães.
(texto publicado original na revista ArtNexus de março-maio de 2013)