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Mmakgabo Helen Sebidi - 32ª Bienal de São Paulo


[11 de dezembro de 2016]



A artista sul-africana Mmakgabo Mapula Helen Sebidi desenvolve sua pesquisa nas linguagens do desenho, escultura e pintura desde a década de 1960. Nascida na zona rural da África do Sul, logo jovem trabalha como auxiliar doméstica de diferentes famílias que viviam em Johannesburgo. O fazer artístico era algo presente em sua vida devido à sua avó que era pintora de paredes e trabalhava com cerâmica, tendo ensinado a Sebidi  algumas técnicas desde sua infância. Uma vez residindo em Johannesburgo, a artista pôde também praticar a pintura nos intervalos do seu trabalho e, posteriormente, estudar com artistas que despontavam no panorama artístico. No começo da década de 1970, Sebidi tem aulas com John Koenakeefe Mohl, pintor figurativo que retratou o cotidiano dos trabalhadores das minas de carvão por meio de uma economia de elementos visuais e grandes planos de cor. Em 1977, no auge do apartheid racial que constituía a dura sociabilidade na África do Sul, Sebidi se torna a primeira mulher negra a realizar uma exposição individual no espaço Artists Under The Sun. Posteriormente, será professora de artistas de diferentes gerações e linguagens.

Sua pintura desde então se caracteriza, primeiramente, por um aspecto figurativo em que os corpos humanos sugerem narrativas relacionadas à vida no campo e às mudanças dadas pelo crescimento irregular do país. Por meio de diferentes plasticidades proporcionadas pela textura de suas pinturas, a obra de Sebidi tende a ser constituída pela investigação do uso da cor de forma não realista. As figuras humanas pintadas pela artista se caracterizam pela variedade cromática com que são constituídas e proporcionam um movimento interno às composições. Suas imagens costumam ser ocupadas integralmente pela presença do corpo humano e sugerem ambientes claustrofóbicos, onde uma reflexão existencial sobre as ações do homem é central.



A obra Tears of Africa [Lágrimas da África] (1987-1988), apresentada nesta edição da Bienal, se destaca na trajetória da artista devido à sua paleta preta-e-branca. Realizada por meio do uso de carvão sobre papel, a imagem foi composta sobre uma tela a partir da realização de diversas colagens que contribuem para a movimentação expressiva de traços e texturas de carvão que constroem corpos humanos. Rostos divididos em dois, expressões de confusão e uma anatomia exagerada dão o tom de uma imagem que se apresenta como uma alegoria do continente africano em estado de dor e lágrimas. A dualidade cromática e a composição que se faz a partir da colagem de elementos fragmentados também podem ser interpretadas alegoricamente em relação ao cotidiano da África do Sul. Para além desse reflexo caótico do estado das coisas em seu país, a obra de Sebidi também pode ser vista como um gesto de esperança para um futuro mais harmonioso onde a disparidade entre o modo capitalista de produção encontrado nas grandes cidades não se opõe à vida no campo; pelo contrário, a alteridade entre as duas sugere uma relação de aprendizado mútuo a partir de relações mais humanas de intercâmbio.

Por fim, como parte de sua pesquisa para a 32ª Bienal de São Paulo, a artista realizará uma residência em Salvador, no Brasil, onde refletirá sobre as relações entre África e Brasil a partir de suas diferentes, mas dialógicas tradições culturais. Essa será a primeira vez que a artista deixará seu ateliê para trabalhar em um diferente contexto.


(texto não publicado e escrito para o catálogo de "Incerteza viva", 32ª Bienal de São Paulo, realizada entre 07 de setembro e 11 de dezembro de 2016)
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