Navegar não é preciso
José Rufino
[26 de junho de 2012]
No espaço expositivo, um autorretrato esculpido nos aguarda. Sobre uma velha coluna de madeira extraída de um armazém próximo ao litoral, seus olhos cerrados chamam a atenção. Os braços apontam para baixo e, num rápido olhar, remetem à figura de um maestro. Em vez do fraque, as vestes de um marinheiro; como baquetas, as cordas um dia capazes de reter embarcações.
O verbo no passado: estes objetos atavam os barcos aos seus litorais. Agora as barcas estão situadas no interior de um museu, apropriadas pelas mãos de um artista contemporâneo. Ao andar em torno deste encalhe, as marcas do tempo são observadas através dos diferentes cromatismos dados pelo desgaste do contato entre madeira e água. Estariam estas pequenas embarcações em um momento de deriva? Quantas outras vezes seus destinos foram conscientemente alterados a fim de se escapar das rotas?
A contrastar com este poligonal acidente em um píer, uma estante abriga fileiras de garrafas de vidro. A organização é apenas aparente: preenchidas com água de rios da Paraíba, algumas possuem imagens de embarcações impressas em seu interior. O mofo dos barcos cede lugar ao papel que se desintegra pela ação da água. As garrafas viram miniaturas de oceanos e a história das navegações através da imagem se extinguirá.
“Divortium aquarum” significa “divisória de águas” e é um termo que diz respeito à separação de territórios quanto ao seu espaço marítimo. O que José Rufino “divide” com esta instalação? Lembremos que seus olhos estão fechados perante esta conjunção de imagens proporcionadas ao público. Parece que estamos diante de um convite a também fechar os olhos e apreender o real junto aos olhos da imaginação, da memória e do sonho. Coloquemo-nos sobre esta linha divisória e imaginária entre realidade e ficção.
Invertendo as palavras de Pompeu, “viver é preciso, navegar não é preciso”, ou seja, enquanto a vida pode ser contabilizada, a fruição sobre a proa da arte sempre se dá de modo fugidio e sem esfera armilar.
(texto publicado originalmente na revista Dasartes, na edição de junho-julho de 2012)