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Nervo


Yuli Yamagata
[13 de março de 2021]



Há uma expressão em inglês que dialoga com o título desta exposição: “you’ve got a nerve”, que poderíamos traduzir por algo como “você tem nervos de aço”. A frase é usada comumente para expressar que alguém tem a audacidade de realizar esta ou aquela ação. Pensando em português, a palavra “nervo” pode se relacionar tanto com um estado psicológico, quanto nos lembrar do nervo enquanto elemento anatômico de humanos e animais. Nervoso, enervada, nervosismo, nervosinho, nervosinha, nervosinhe: a ansiedade perpassa grande parte da percepção da língua portuguesa em torno da palavra.

Associar esse título à produção recente da artista Yuli Yamagata – nascida em Florianópolis, mas residente de São Paulo desde o início de sua graduação, em 2008 – é jogar com essas leituras. Um polvo, uma língua, intestinos, uma cobra, pés, mãos, zumbis e um milho que tem não apenas um pé, mas também um olho lacrimejante: seu universo poético aponta para um desejo de dissecar corpos e apresentá-los de forma híbrida, tendendo mais para o inominável do que para o humano. Nesse sentido, a costura tem um lugar essencial na medida em que traz para os olhos do público os seus nervos, as suas linhas, as suas conexões entre materiais; a forma como a artista lida com a matéria explicita o processo artesanal que leva a esses resultados.




O mesmo pode ser dito dos seus trabalhos em pintura e desenho aqui mostrados, onde a anatomia é apresentada de forma dilacerada – alguma hecatombe se sucedeu, mas a tragédia sempre pode ser maquiada com um tom tutti-frutti de desenho animado. Olhando para estes personagens criados por ela, há algo em sua apresentação que remete à certa ansiedade, já que todas essas figuras parecem estar prestes a realizar uma ação – caminhar, se quebrar, chorar, pingar, lamber. A artista os congela no tempo e incumbe o público de concluir qual a dimensão de suas ações.

Voltando à primeira frase dessa apresentação, você pode se perguntar: mas qual a relação, então, de “you’ve got a nerve” com esses trabalhos? A expressão inglesa se encontra com a exposição na medida em que se transforma em um comentário sobre a própria Yuli Yamagata: nervos de aço foram necessários para esperar pelos doze meses que separaram a data programada para a abertura dessa exposição e o presente. Nesse ano, nosso olhar sobre essas imagens mudou radicalmente.





Como observar as ações violentas que surgem nessas imagens por meio de objetos banais e não as relacionar com esse período tomado por distanciamento social? Até que ponto os objetos inanimados de nossas casas também não ganharam vida em nossos sonhos e pesadelos? Como olhar para os ossos e referências à morte contidas nessas imagens e não refletir sobre o nosso próprio flerte diário com a pandemia e com a brevidade da vida?

Nervos de aço foram necessários para todos nós nesses últimos dozes meses – e, infelizmente, seguirão importantes por tempo indeterminado. No caso de Yuli Yamagata, esses nervos associados a seu olhar afiado são fundamentais para continuar vendo o mundo e seu caráter grotesco sempre do avesso.


(texto curatorial da exposição “Nervo”, no MAC Niterói, aberta entre 20 de março e 27 de junho)
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