O pitoresco mora ao lado
Daniel Caballero
[24 de maio de 2012]
Prendedores sustentam folhas de papel de diversos tamanhos que sutilmente se sobrepõe e sugerem a forma de um irregular mosaico. À primeira vista são “desenhos detalhados da natureza”. Com um olhar atento, fica claro que nenhuma imagem é dada de modo direto. Uma árvore surge ao centro do papel, numa configuração semelhante à ilustração científica. Seu protagonismo, porém, é parcial; um poste, um filho da “natureza hominídea”, é envolvido por seus galhos. Há o atravessamento de elementos discrepantes: a árvore que se alastra de modo horizontal e pictórico através de suas folhas e a coluna elétrica que intervém linearmente com seus cabos que escapam das margens. Ambas as bases destas diferentes colunas metropolitanas estão pintadas de branco; o que leva o homem a tentar aproximar visualmente árvore e poste? De que adianta homogeneizar seus “pés” se será necessário rasgar parte da árvore para que a eletricidade se propague?
Um agrupamento de objetos no espaço expositivo amplia a tensão encontrada nestes desenhos. Uma estrutura assimétrica construída com pedaços de madeira e fita adesiva se transforma em um altar para fragmentos de florestas – não há espaço para árvores, mas para maquetes da paisagem, pequenos vasos de plantas. Canos se interceptam e criam um ruído na apreensão desta estufa fictícia: a linha que ditava ambiências sobre o papel, ganha um caráter expressivo no espaço e impossibilita o domínio por parte do público. Há aqui a lembrança visual de Franz Weissmann somada à consciência de que os ventos contemporâneos são outros. Como dar conta das múltiplas direções desta instalação em um olhar ou fotografia?
“Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa” é o título deste trabalho de Daniel Caballero. Não se pode mais falar num “Brasil”, tal qual Rugendas o fez em seu álbum de imagens, em 1835, assim como não é possível dar conta da diversidade paisagística de São Paulo. Por outro lado, é possível compartilhar a apreensão daquilo que está ao redor de nosso ninho e codifica-lo em visualidade. Transformar suas gambiarras em arte é iluminar não só as precariedades de outras cidades pelo globo, mas nos fazer refletir sobre o frágil e provisório entre e dentro de nós mesmos. O pitoresco mora ao lado.
(texto publicado originalmente no Jornal do Commercio, na Página da Caza, em 25 de maio de 2012)