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Objetos


Daniela Seixas e Mariana Katona Leal
[31 de janeiro de 2012]



Uma casa construída no século XVIII. Uma exposição de arte contemporânea. De qual forma seria possível ocupar este espaço, agora público, mas um dia residencial? As artistas Daniela Seixas e Mariana Katona Leal optaram por tomá-lo tal qual uma casa de família, espalhando aquilo que possivelmente saturava o espaço interno desta arquitetura colonial: objetos. O local, que um dia foi tomado por robustos móveis de madeira, agora será permeado por outra categoria de objetos, os artísticos, que incentivam e pedem que o amplo espaço da arquitetura desta construção respire e permita ao visitante a possibilidade de enfrentar o espaço vazio.

Os objetos expostos não foram construídos artesanalmente tal como uma escultura onde se extrai do mármore bruto uma figura humana. No lugar da extração de formas, encontramos aqui a apropriação das mesmas dada pelo deslocamento espacial; coisas meramente banais são recodificadas enquanto objetos artísticos.



Neste ato, Daniela Seixas se utiliza de um livro, objeto sagrado do conhecimento. No lugar de pautas ou de texto impresso, a artista embala as páginas com plástico-bolha. Há aqui uma junção entre a dimensão industrial da matéria e do trabalho feito pelas próprias mãos da artista. O objeto utilizado para leitura tende, portanto, para outro sentido, o do tato. Mas o público irá tocar sem titubear um objeto de arte inserido dentro de um contexto museográfico? Uma tensão instaura-se e a ironia salta aos olhos em “Sem título (ou braile para reticências)”.

No trabalho de Mariana Katona Leal temos outra forma expositiva. A artista muda o tempo dos objetos cotidianos, eternizando-os em forma de vídeos. A tridimensionalidade vista no trabalho de Daniela Seixas dá lugar à tentativa de se eternizar de modo audiovisual, em duas dimensões. Com a figura de um livro, Mariana dá indícios de movimento em “A mulher desiludida”, referência a Simone de Beauvoir. O movimento nunca se dá de modo completo; é fragmentado tal qual a técnica de stop motion utilizada para a sua realização, assim como o processo de cicatrização da ferida que sangra e que escorre pelas páginas escritas pela autora francesa.



A expectativa pelo movimento é quebrada quando Mariana nos presenteia com a imagem fixa de um telefone fora do gancho e que vai contra sua costumeira função. Trata-se da representação de um objeto sempre em estado de espera, assim como o nome dado à música que ouvimos de fundo. Espera curiosa, cronometrada, racionalizada. Quando temos o movimento das frutas que caem, dando vida à “Natureza-morta”, este é interrompido, impedindo que o espectador se depare com a totalidade da ação.

Enquanto isso, Daniela Seixas apresenta alguns desenhos-projetos em forma de porta-retratos. Memórias de objetos impossíveis, essas imagens ocupam as paredes brancas desta casa colonial/cubo branco de modo afetivo e fabuloso. Esses desenhos e folhas de caderno dão origem a uma narrativa familiar para o espaço e criam uma ficção crível para os objetos artísticos que neste momento ocupam seu interior. Aqui, portanto, os objetos se tornam os donos do espaço, sendo distribuídos como os cômodos de uma casa ainda em atividade familiar.



Em uma das salas da exposição, a artista nos mostra seus “Segredos para os dias lotados”: uma sacola plástica alça vôo por alguns segundos, tal qual uma pipa e, rapidamente, retorna para o chão mais uma vez. Não existe espaço de descanso aqui e os dias lotados apenas podem ser combatidos com uma rápida intercalação entre as tentativas falhas de alçar vôo e de repousar. Do lado de fora do edifício, mais um objeto da impossibilidade, uma escada que apresenta apenas início e fim, onde o “entre” foi suspenso da contemplação do espectador.



É exatamente nesta condição que o público fica ao se deparar com os trabalhos das duas artistas: um espaço do meio. Entre o acerto e a falha narrativos, entre o objeto utilitário e o objeto estético, entre a história deste edifício e as múltiplas possibilidades que a arte contemporânea possibilita.


(texto produzido para a exposição "Objetos", realizada no Centro de Cultura Fazenda da Posse, Barra Mansa, entre 11 de junho e 31 de julho de 2011, com curadoria do próprio autor)
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