Óleo sobre tela
Clarissa Campello
[30 de março de 2012]
Ao se falar a palavra “arte”, talvez a primeira coisa que venha à mente seja uma das técnicas mais tradicionais e institucionalizadas da História: a pintura. Se perguntarmos a um leigo no campo das artes visuais pelo nome de artistas referenciais, os nomes que virão serão, majoritariamente, de pintores. Passo por essa experiência todo ano a perguntar a meus novos alunos por exemplos de artistas e, não à toa, os nomes de Leonardo, Michelangelo e Rafael são sempre ouvidos, compondo um panorama do Renascimento com pitadas de “Tartarugas Ninja”.
A pergunta que fica, por outro lado, é: qual o lugar da pintura no cenário artístico contemporâneo? O que poderia ser produzido após o seu pretenso “esgotamento” junto ao expressionismo abstrato de Jackson Pollock e seu “retorno” (frisado e talvez mesmo inventado pela crítica) durante a década de 1980? Muitas são as respostas possíveis, diversos são os pincéis ativos atualmente. Alguns deles estão nas mãos de Clarissa Campello.
Há uma anedota narrada por Plínio, o Velho em sua “História natural” sobre a origem do desenho e, por consequência, da arte. Na Grécia antiga, uma mulher, sabendo que iria se separar de seu amante que partia para uma longa viagem, resolveu desenhar sobre a sombra de seu perfil na parede. Deste modo, ela pode retratar a imagem da pessoa amada. O trabalho de Clarissa Campello não parte, em primeira instância, do desenho, mas da fotografia. Este aparato técnico é capaz de capturar de modo diverso, mas igualmente intimista, a mesma efemeridade da afetividade descrita por Plínio.
Ao se apropriar de imagens que eternizam de modo privado um encostar de peles, a artista contribui com a perpetuação do afeto dispendido entre duas pessoas. Não sabemos quais os laços que unem estes indivíduos pintados juntos, se é que algo ainda os une, mas quando recodificados em óleo sobre tela, estes corpos ganham um peso da tradição pictórica que os transforma em monumentos para as relações afetivas contemporâneas.
Em um mundo dominado pela informação e por palavras que crêem que tudo explicam, perante estas imagens só nos resta uma opção: o silêncio. Qualquer som proferido por nossas bocas e qualquer excesso das teclas será um esforço em vão que censurará a intimidade do óleo sobre tela à nossa frente. Contemplar mais e verbalizar menos.
(texto publicado no Jornal do Commercio, na Página da Caza, em 30 de março de 2012)