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Osmar Dillon

[12 de julho de 2015]



O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Centro do Rio de Janeiro, abrigou por dois meses uma reunião de trabalhos de Osmar Dillon. Nascido na cidade de Belém, no norte do Brasil, em 1930 e falecido no Rio de Janeiro em 2013, o artista participou da segunda e terceira edições da Exposição de Arte Neoconcreta, realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Essa revisão de seu trabalho faz jus, portanto, ao artista que dá nome à instituição e às narrativas paralelas à sua obra, visto que Oiticica, além de participar das três exposições do neoconcretismo, também foi um dos autores responsáveis por assinar o Manifesto Neoconcreto, em 1959.

Quase sessenta anos após as primeiras linhas sobre a ideia de “neoconcreto”, é mais do que o momento de se lançar luz sobre artistas que fujam da tríade quase sagrada constituída pelos nomes de Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, e de nomes que sejam diferentes daqueles outros importantes artistas que já tiveram uma trajetória institucionalizada de modo significativo, como Amilcar de Castro, Ferreira Gullar e Franz Weissmann. Aberta alguns meses após a retrospectiva de Amélia Toledo no Paço Imperial – outra artista de atividade constante nesse mesmo período histórico – a exposição convidava à leitura do público de um jornal da década de 1970 onde os nomes dos dois artistas eram ladeados por outras figuras também merecedoras de revisões. Quais experiências sensíveis as ali citadas obras de Yutaka Toyota, Paulo Roberto Leal, Raimundo Collares e Ubi Bava podem ativar no espectador contemporâneo? Eis uma pergunta que só futuras pesquisas em história da arte e curadoria podem responder.



No que diz respeito a essa exposição, é possível pensá-la partir de três momentos distintos dados pelo uso das salas. Na entrada, o público era recebido por uma série de formas geométricas tridimensionais que ocupavam quase integralmente a área do chão. O contraste entre o agrupamento separado de formas vermelhas e brancas trazia à tona um dos elementos essenciais da produção de Dillon e, por consequência, do grupo de artistas próximos ao neoconcretismo: a cor. As formas vermelhas, através do corpo do espectador, juntas formavam a palavra “paz”, ao passo que as brancas formavam um “sim”. A relação entre imagem e palavra - tão cara ao artista –, além da problematização da escultura como objeto a ser ativado por parte do público, já se fazem presentes.

Na segunda sala, maior do que a primeira, cubos, móveis e mesas eram suporte dos diversos objetos criados pelo artista. Um olhar panorâmico pelo espaço possibilitava uma coleta das palavras que apontavam para o campo semântico de interesse de Dillon: “sol”, “chuva”, “céu”, “vento”, “lua” e “nuvem”. Interessante pensar que, por mais que não exista nenhuma paisagem explícita, são estas palavras que giram em torno do repertório relativo à natureza que aparece com mais frequência nessa seleção de obras. Ao notarmos o caráter representacional da cor em todos esses objetos – onde, por exemplo, o “sol” é um objeto amarelo e o “céu” uma estrutura azul -, temos uma recodificação da pintura de paisagem, tradição importante na cultura visual do Rio de Janeiro.



Já outros objetos necessitavam e permitiam a manipulação por parte do público. As palavras “ato” e “lua” se desconstruíam através da movimentação de materiais industriais como o vidro, do mesmo modo que uma folha de papel se desdobrava de dentro do trio “raiz caule folha”. Percebíamos que ali estavam contidas “lua sol” e, por fim, “flor”. Também em papel, “vento” se distorcia em letras separadas e, já em acrílico, a letra “o” da palavra “som” ganhava a forma de uma bola de tênis de mesa que, ao se movimentar dentro de uma caixa, proporcionava uma experiência relativa ao significado da palavra. É esse jogo entre significante e significado, entre as formas geométricas que constituem as letras de uma palavra e suas relações com campos semânticos e cromáticos específicos, que parece mover a produção central a essa exposição, ou seja, aquela da década de 1960.

Era na terceira e última sala que outras explorações da forma por parte de Dillon vinham à tona e surpreendiam. Se, por um lado, é possível aproximá-las do interesse do artista em palavras como “sexo” e “ovo”, orgânicas e instintivas, a forma plástica se revela como discrepante. Enquanto na segunda sala essas duas palavras são interconectadas, novamente, através da geometria e do movimento de uma bolinha que é ao mesmo tempo a letra “o” de “sexo” e de “ovo”, no terceiro espaço o sexo e o corpo humano são presentes através de desenhos em forte diálogo com aquilo que se convencionou chamar de “surrealismo”.




Seios, formas que lembravam nádegas, testículos, bocas humanas e peixes predadores se misturavam e davam o tom de alguns desenhos do final da década de 1940, além de algumas pinturas do final da década de 1960 e começo da década seguinte. Baseados em mesas, mas içados a partir do teto, também era possível ver uma série de desenhos intitulados “Estudo para um monumento vivencial”, onde o artista criava prédios fictícios e propunha modos de experimentação dos mesmos através do corpo. Por fim, alguns poemas datilografados por Dillon e em torno dos elementos de seu interesse aqui comentados se colocavam como outro ponto de ligação com os trabalhos anteriormente vistos e onde a palavra era protagonista.

Ao final da exposição, ficava uma curiosidade pelas décadas posteriores de sua produção; o que Osmar Dillon produziu no período entre a década de 1970 e 2013? Longe, porém, de querer se configurar como uma “retrospectiva completa” de sua obra (pretensão que, como qualquer exposição, sempre deixa hiatos), essa curadoria enfocada nesse recorte temporal preciso é importante como introdução à complexidade da pesquisa artística de Dillon. Que essa exposição incentive outras visadas em torno dos artistas menos conhecidos do chamado “neoconcretismo brasileiro” e que a curadoria e a história da arte sejam capazes de não criar novos dogmas, mas de aproximar, diferenciar e reunir imagens e trajetórias.


(texto publicado originalmente na ArtNexus de junho-agosto/2015)
[fotografias de Pat Kilgore e do autor]
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