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Pão e cultura


[10 de novembro de 2015]



Tendo visitado a exposição "Abre alas", realizada na galeria A Gentil Carioca, no Rio de Janeiro, entre 22 de fevereiro e 15 de março, a escrita de Charles Baudelaire me veio à mente por dois motivos. Em primeiro lugar, é um evento que se dá dentro de uma galeria comercial que tem como maior parte de seus diretores artistas com carreiras institucionalizadas. Poder-se-ia, nesse sentido, enxergar a própria galeria nesse lugar delicado (para usar os termos de Baudelaire na sua dedicatória “aos burgueses” do Salão de 1846) entre os “cultos” e os “proprietários”. Em um segundo momento, é difícil não associar a proposta do "Abre alas" à gênese desses panoramas artísticos criados na mesma França de Baudelaire, no século XVIII.

É um tanto quanto complicado neste curto espaço de texto comentar trabalho a trabalho da décima edição do evento. De todo modo, é importante frisar sua importância no Rio de Janeiro devido à ausência de oportunidades com chamada pública para que diferentes trajetórias de artistas sejam colocadas lado a lado. Mais do que isso, o "Abre alas" mantém sua tradição por não apenas selecionar artistas residentes na cidade, mas também ter presenças de Brasília, São Paulo e Porto Alegre, por exemplo. Ao lado do "Novíssimos" evento semelhante sediado num espaço não comercial, a Galeria IBEU, tem-se composto os salões cariocas atuais.

Baudelaire, por diversas vezes, usou as categorias do desenho e da cor quanto à análise dos pintores presentes nos salões. Trazendo para a cena contemporânea, diversas são as visões de mundo dos artistas dessa edição do evento. Não seria possível enquadrá-los em dois grupos destoantes: encantamo-nos com imagens nunca antes vistas, frustramo-nos com outras que saem de certo “mais do mesmo” e lamentamos algumas ausências.

Isso é esperado quando há quase 300 portfólios para um espaço que aqui comportou 29 artistas. A história da arte se dá, infelizmente, sempre desse modo: é uma história dos aceites de curadores, mecenas e salões. Trata-se daquele encontro entre imagem e indivíduo e do ímpeto (ingênuo ou não) pelo lugar do sim. Parabéns, portanto, aos participantes e fica o convite para que os portfólios sigam “enxurrando” as futuras comissões de seleção do salão mais carnavalesco do Rio.

Por fim, também fica o desejo de que A Gentil Carioca siga a abrigar o evento talvez mais democrático e fiel ao nome da galeria anualmente. Como também dizia Baudelaire: “Pode-se viver três dias sem pão; sem cultura, nunca”.[1] Ficamos na torcida para que o lugar da cultura não seja soterrado pela necessidade do ganha-pão.


[1] BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. Poesia e prosa: volume único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. p. 671.


(texto publicado originalmente na Revista Dasartes de abril-maio de 2014)
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