Perpetuum mobile
[05 de junho de 2013]
A proposta conceitual para a exposição "Sete" partiu do próprio convite feito pela Casamata, ou seja, ocupar este espaço por um período de sete dias. Inicialmente, o convite parecia contradizer os habituais prazos de duração de uma exposição, constituídos por algumas semanas em tentativa de prolongar a brevidade de qualquer evento desse tipo. Num segundo momento, a carga simbólica do número de dias serviu como mote justamente para o oposto, a saber, uma celebração do efêmero.
Basta buscar pela Internet e nos depararemos com diversas concepções do número "sete". Próximos do cristianismo latente da cultura brasileira, encontramos os sete pecados capitais, os sete dias de criação do mundo ou mesmo as sete trombetas tocadas durante o Apocalipse. Enquanto isso, ao buscar em culturas não-ocidentais, nos deparamos com a existência de sete deuses da sorte na cultura do Japão ou com os supostos sete passos que Buda teria dado após o seu nascimento. Essas leituras que pareceriam meramente religiosas perpassam a nossa experiência diária e, não à toa, nossa semana tem sete dias com dois destinados para o descanso - se um deles é tido como o primeiro da semana e é mais sacralizado, o outro é o último e muitos trabalham normalmente nele.
Os dois artistas que se encontram a dialogar aqui possuem pesquisas artísticas que tangenciam os pólos da criação e destruição, celebração e abatimento de objetos e comportamentos humanos. Anton Steenbock acende uma vela a Deus e outra ao diabo, como diria o provérbio. Ao se utilizar de velas de sete dias em seus trabalhos, cria narrativas que vão de encontro ao sincretismo religioso do Brasil. A mesma vela que pode estar acesa para se conseguir uma graça numa perspectiva católica é aquela que também pode ser oferecida a um orixá segundo a umbanda. Anjos da guarda e erês são convocados, então, a partir de uma única chama. Caso ela seja movida de modo inesperado, entra em contato com um líquido e pode vir a ocasionar uma explosão. Gasolina e água benta, big bang e Hiroshima, aguardam o público dessa literal casamata.
Alguns dos trabalhos de Leandra Espírito Santo lidam com certa engenharia artística. Porém, sendo sua vela e proa de papel, o naufrágio desta peça de engenharia naval não é certeiro? Não havendo espaço para Noé e sua arca, apenas resta à embarcação seguir encalhada e à mercê da ação do tempo. A artista também projeta uma série de máquinas capazes de criar objetos escultóricos moles. Se a tradição da escultura está pautada na ideia de se retirar a figura do mármore, as formas orgânicas aqui surgem a partir da adição de bolinhas de isopor, como se fossem um pólen. Através do corpo humano, a máquina é acionada e as pequenas esculturas ganham forma de pouco a pouco. Enxergamos aqui o decorrer do “trabalho”, não como bastidor do “trabalho artístico”, mas escancarado aos olhos do público. Trabalha-se, porém, para quê? Qual a finalidade disso? Cansa-se para fazer arte, para se produzir mais matérias infláveis que irão esvaziar e se autodestruir?
Podemos, portanto, aproximar as pesquisas artísticas de Anton Steenbock e Leandra Espírito Santo no que diz respeito a esta projeção e construção de máquinas e mecanismos. Se no caso do primeiro, muitas delas são feitas para se autodestruírem de modo repentino ou mesmo controlado, no caso dela é possível interpretar seus mecanismos como uma contínua poética da inutilidade. Estas posturas de criação artísticas dialogam com a imagem utilizada no projeto gráfico desta exposição, a saber, um desenho de Villard de Honnecourt, artesão francês do século XIII. Trata-se de um projeto para perpetuum mobile, ou seja, a ideia desenhada de uma máquina de movimento perpétuo. Através de sua própria ação, esta engenhoca seria capaz de se manter continuamente viva, podendo ser aproveitada pelo homem das mais diversas formas.
Negada sua possibilidade de funcionamento pelos estudos da Física, creio que é esta mesma reflexão e vontade de responder ao que é perpétuo e passageiro que perpassa as preocupações dos dois artistas aqui reunidos. Igualmente frágeis, as velas e balões que ocupam o espaço da Casamata falam sobre a brevidade da vida, da semana, da exposição e, porque não, da fina camada que separa o que é daquilo que não é arte.
(texto curatorial da exposição "Sete", de Anton Steenbock e Leandra Espírito Santo, na Casamata, no Rio de Janeiro, entre 1 e 8 de junho)