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Sobre o livro "O ano do dragão"


[06 de janeiro de 2013]

“O ano do dragão”, de Flavio-Shiró
Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012.



“Na sombra desta Tóquio trepidante, a tradição vive nos interstícios dos edifícios modernos”.

Essas são algumas das palavras escritas por Flavio-Shiró e compartilhadas em livro recém-publicado pela editora Contra Capa. Intitulado “O ano do dragão”, se trata de uma espécie de caderno de uma recente viagem de retorno realizada para seu país de origem, o Japão. Nascido em 1928, o artista chega ao Brasil, no estado do Pará, aos quatro anos de idade. Como diz o texto de orelha escrito por José Eduardo Meira de Vasconcellos, este se trata do quarto retorno feito pelo artista ao seu lugar de origem em uma trajetória que excede os oitenta anos.

Interessante notar a estrutura do livro. Diferente de um catálogo onde, por exemplo, as bordas brancas das imagens são claras, além da legenda que situa suas informações, a estrutura desta publicação se esforça por construir uma poesia visual. De um lado da página, algumas palavras em prosa de Shiró, ao passo que ao lado observamos a sobreposição de camadas de cor de suas aparentemente rápidas pinceladas. Uma série de imagens monocromáticas predomina e faz contraste com outras onde tons terrais ou o azul se configuram como exemplos peculiares.

Criado no Brasil, nascido no Japão e versado artisticamente em Paris. Em um texto final chamado “Raízes”, o artista coloca esse tópico no que diz respeito à sua adolescência: “O mundo está em guerra. O Brasil é um oásis. Juventude, tempo de batalhas. De sonhos também: Paris”. É interessante constatar que o exotismo que permeia sua apreensão do Brasil, pautada na interpretação da cultura que geralmente rotulamos por “amazônica”, perpassa também sua leitura do Japão, visto que este lugar se torna quase que uma espécie de mito fundacional particular.

Se a sua família tem origem japonesa e seu crescimento se deu parcialmente em uma colônia japonesa, sua memória da nação sempre se deu de modo filtrado pela sua presença no Brasil. Essa tensão no que diz respeito à memória aparece em vários de seus escritos. Em dado momento, ele descreve sua experiência em um onsen, ou seja, em águas termais: “Seis horas da manhã. Zero graus. Um momento de perfeita simbiose entre o ser e a natureza”. É difícil acompanhar esta publicação e não se recordar de outros tantos exemplos da história da arte de artistas maravilhados com espaços geográficos devido à sua alteridade cultural.

Esta lembrança se faz importante e insere o trabalho de Flávio-Shiró em uma perspectiva peculiar. O livro se torna, portanto, uma publicação importante dentro da pouca bibliografia encontrada seja acerca de sua pesquisa artística, seja sobre os artistas japoneses que imigraram para o Brasil durante o século XX.




(texto publicado originalmente na Revista Dasartes, na edição de outubro-dezembro de 2012)
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