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Ursula Biemann & Paulo Tavares - 32a Bienal de São Paulo


[11 de dezembro de 2016]



“Forest law” [Selva jurídica] (2014) é um projeto da artista suíça Ursula Biemann e do arquiteto brasileiro Paulo Tavares. O trabalho de Biemann se baseia nas relações entre meio ambiente, território e modos de representação. Os resultados de sua imersão em distintos contextos sociopolíticos são apresentados por meio de documentos, livros e vídeos. Desde 1999, a artista realiza projetos que tratam da relação entre corpos individuais e fronteiras geográficas, culturais e de gênero.

Sua pesquisa trafegou, por exemplo, pelas fronteiras entre México e Estados Unidos, República Tcheca e Alemanha, além de estabelecer relações entre os ecossistemas do Canadá e de Bangladesh. Curadorias e palestras também são alguns de seus modos de atuação nas artes visuais e no ativismo ambiental. No trabalho realizado com Tavares, Biemann debate a tensão conflituosa dos territórios, sobretudo quando a Amazônia é o centro dessa disputa. Nesse projeto, a exploração da natureza em busca de matéria-prima industrial é analisada pelo prisma de suas implicações políticas, jurídicas e sociais no clima terrestre e na vida de comunidades que dependem diretamente dessas atividades.

Como o próprio título indica, Forest Law diz respeito a uma batalha judicial historicamente importante. Em 2012, o povo Sarayaku, da nacionalidade quíchua, venceu uma causa na Justiça contra o governo do Equador, que colocara em risco a vida da aldeia ao permitir que a indústria petroleira explorasse o seu território, dentro da Floresta Amazônica. Esse foi um momento importante para a discussão dos direitos humanos e ecológicos em virtude do veredito, que considerou o Estado culpado por ameaçar a integridade física e cultural desse povo. Esse caso evidenciou um conflito acerca das diferentes representações da natureza – jurídica versus cosmogônica – e suas consequências para a vida terrestre.

Para abordar essa questão, os autores realizaram uma instalação, que contém um livro, vídeos e documentos produzidos a partir de entrevistas com os Sarayaku. As perspectivas existenciais e políticas desse povo foram enfatizadas a fim de mostrar que se trata de um debate que vai além de uma reforma agrária com parâmetros ocidentais do Direito. O que está em disputa é também a relação viva dos habitantes com o espaço que, mais que moradia, é o ambiente de suas memórias comunitárias e de uma concepção de tempo que se dá por meio da sobreposição de passado, presente e futuro. Em duas projeções, a variedade ecológica encontrada na Amazônia é exposta sob diversas perspectivas humanas – na rotina dos Sarayaku também estão presentes botânicos, cientistas e estudiosos da riqueza petrolífera que corre por baixo da terra.

Forest Law também aborda a representação da natureza como um problema que nasce com a sua concepção de sujeito jurídico, ao ignorar o caráter polifônico das múltiplas perspectivas que existem em relação a esse sujeito e que não podem ser definidas pelo Estado. Assim, a tensão percorre as entrelinhas: como reivindicar a autonomia do território quando se tratam de intervenções em prol de um progresso seletivo? Como articular diferentes concepções de natureza, quando a vida de todos depende dela?


(texto publicado no catálogo de "Incerteza viva", catálogo da 32a Bienal de São Paulo, realizada entre 07 de setembro e 11 de dezembro)
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