Wanda Pimentel (in memoriam)
[28 de dezembro de 2019]
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Em entrevista realizada em 2012, a artista carioca Wanda Pimentel disse: “Sou uma pessoa que compensa o pouco falar com um olhar demorado e atento”. Ao pesquisar a respeito de sua obra, poucas são, efetivamente, as entrevistas encontradas e diversos dos textos críticos a seu respeito partem desse suposto silêncio de suas obras.
Nascida em 1943, a artista foi aluna de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro aproximadamente entre 1964 e 1968. Nesse momento cheio de turbulências decorrentes da ditadura militar no Brasil, o museu era um espaço de grande experimentação nas artes visuais e tinha como alguns de seus alunos nomes como Antonio Dias, Cildo Meireles e Rubens Gerchman. Wanda era uma das poucas artistas mulheres que frequentavam essas aulas e, aos poucos, ganhava atenção do público e crítica participando de exposições icônicas como a I Bienal da Bahia (1967), o Salão da Bússola (1969), a XI Bienal de São Paulo (1971) e diversas edições do Panorama da Arte Brasileira (1970, 1972 e 1973).
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Quando observamos as icônicas obras de sua primeira década de produção, nosso olhar é convidado a se surpreender com os detalhes trazidos pela artista. Na sua primeira grande série de trabalhos, “Envolvimento”, produzidos em sua maioria entre 1968 e 1969, ambientes coloridos construídos geometricamente com o uso da cor são ocupados por fragmentos de corpos femininos – um quarto, um carro, uma cozinha, um banheiro? Suspeitamos esses serem alguns de seus lugares, mas a sua representação nunca se dá de maneira objetiva e explícita.
Alguns objetos contribuem com nossa leitura: chaleira, copo de liquidificador, garfo, faca e pratos nos fazem suspeitar que em um dos quadros se trata de uma cozinha. Sobre esse cenário historicamente tão associado às mulheres, porém, um corpo parece se impor – de quem são essas pernas? Seria essa imagem um sonho ou haveria qualquer caráter performático por trás de sua composição? Wanda pede que nosso corpo e olhar estejam atentos ao que se passa nessas cenas; da mesma maneira que os objetos só existem em relação ao sujeito, é necessário que o público se envolva com essas imagens – seja quanto à sua forma, seja quanto ao seu lastro cultural.
Já uma série posterior, “Bueiros”, de 1970, chama a atenção pelo seu caráter igualmente experimental: é composta por objetos de madeira que imitam diversos tipos de bueiros de rua – dos gradeados feitos para escoar a chuva até os grandes de esgoto que escondem o que há por baixo. É em um momento do filme “Wanda Pimentel”, de Antonio Carlos da Fontoura, de 1972, que esses objetos ganham uma configuração extremamente política: são todos mostrados no Aterro do Flamengo. No auge do governo ditatorial, mostrar esses bueiros de madeira em uma região próxima do Monumento aos Pracinhas – outro marco militar do Rio de Janeiro – era um ato efêmero e ao mesmo tempo crítico quanto ao rumo do país. Eis que a obra da artista saía da esfera doméstica e se dirigia para a rua: seria “silêncio” a palavra mais adequada para se dirigir à pesquisa de Wanda Pimentel?
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Seu compromisso com a pintura e com a cor foi constante em suas cinco décadas de carreira e sempre em diálogo com os limites entre a imitação e a abstração – vide seu interesse posterior em formas que remetem a portas, janelas, escadas, grades e sólidos. Recentemente, em sua última individual com trabalhos inéditos, em 2015, a artista apresentou séries de trabalhos dedicados à gestualidade e a temas florais.
A produção de Wanda Pimentel é essencial não apenas para se refletir sobre a produção de artistas mulheres, mas também para compreendermos a produção pictórica no país no mesmo período. Questões caras ao período militar no país, como a noção de privacidade, domesticidade e espaço público são fulcrais para sua poética. Por todas essas razões, a obra da artista é essencial para a história da arte não apenas no Brasil, mas mesmo a nível global.
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