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so so


Leandro Muniz + Renato Pera
[03 de dezembro de 2020]



Na língua inglesa, o uso da expressão “so so” remete à noção de “mais ou menos” - nem bom, nem ruim, nem acima, nem abaixo... talvez no meio, mas acreditando mais no movimento do pêndulo do que na afirmação certeira de um dos lados. Acho perspicaz a opção de nomear esse encontro virtual de trabalhos com esse nome devido ao histórico da amizade entre Leandro Muniz e Renato Pera; às vezes curador e artista, às vezes companheiros de escrita e às vezes – talvez com mais constância – artistas que se admiram e discutem suas pesquisas constantemente.

Chama a atenção, em ambas as pesquisas, seu caráter mundano, ou seja, como os artistas lidam por muitas vezes com citações diretas a objetos banais e, a partir dali, criam séries. Um olhar rápido por essas páginas nos levará a janelas, tijolos, xícaras, biscoitos, lençóis e formas que remetem a sorvetes. Há nessa encruzilhada de trabalhos a ausência de iconoclastia; quanto mais imagens, melhor, e seu diálogo com certo fantasma da pop art é realçado pelas opções de se explorar elementos tão icônicos e massificados como os hamburgueres e os dentes de vampiro.



A partir deste olhar que transforma fragmentos do mundo em pequenos ícones, ambos os artistas são interessados na repetição, serialização e deslocamento que seus trabalhos podem fazer. As gotas vermelhas exploradas por Renato Pera podem aparecer tanto como fragmento de um papel de parede impresso em 3d, quanto como um objeto de cerâmica onde o espectador contempla seu reflexo. Enquanto isso, os contornos pretos feitos por Leandro Muniz podem tanto ter olhos que nos fitam, quanto óculos escuros que são ostentados para o espectador. Voltar a um mesmo desenho, voltar a uma mesma forma inicial é uma forma de criar um vocabulário de imagens e, a partir daí, experimentar.

Mesmo que formalmente possamos fazer muitas aproximações entre os artistas, quando nos atemos a seus interesses individuais e tentamos desembaraçar a rede que eles propõem nessa exposição virtual, tenho a impressão de que conseguimos observar interesses poético-existenciais diferentes.




Os trabalhos recentes de Renato Pera têm olhado para a cultura visual comumente associada ao horror: o vermelho que pode ser tanto sangue quanto ketchup, oitenta desenhos de bactérias fictícias e frases que parecem vir de cartazes de cinema, mas são impressas em placas de sinalização de casas. Mira-se o terror, mas, como o próprio artista escreve, se acerta nas “cenas de sexo e terrir”. Quem ri por último, ri melhor nessas imagens que, de forma inteligente, questionam a seriedade de qualquer representação.

Quanto à trajetória de Leandro Muniz, tenho a impressão de que um de seus interesses tem sido inventariar composições – basta observarmos suas séries de desenhos criados a partir do seu olhar para um único artista. Em uma folha de papel, Muniz vai sobrepondo silhuetas e contornos de trabalhos de uma mesma pessoa e gera salas imaginárias de museus dedicadas a artistas tão diferentes como Amilcar de Castro e Sarah Lucas. Outro exemplo são suas séries de “cremosas” – formas coloridas que remetem a tantas coisas orgânicas que, quando mostradas em conjunto, prezam mais pela diferença, do que pela repetição.




O que “so so” tem de “so so” é apenas o seu título; parece-me se tratar de uma rara troca entre artistas de diferentes gerações que, mesmo com as mudanças dramáticas ocorridas no mundo nos últimos meses, seguiram inquietos e produzindo dentro de suas limitações. Esse projeto virtual brota, portanto, de dentro de suas casas e de suas trocas de mensagens instantâneas para o espaço público da internet.

Fica o convite para que os visitantes acessem essas imagens por meio de suas telas e também se entreguem ao exercício de aproximar e distanciar pesquisas que se encontram e desencontram, assim como todas as grandes amizades.

(texto crítico relativo à exposição “So so”, de Leandro Muniz e Renato Pera, realizada via galeria Aura na plataforma Artsy entre 05 de dezembro de 2020 e 30 de janeiro de 2021)
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